MÁ EDUCAÇÃO.
Por Samuel de Jesus.
SANTIDADE
A escola tinha o nome de uma santa, ensino privado. Era o pagamento de uma promessa para que sua dona voltasse a andar e andou, mas acompanhada de uma bengala que era seu apoio, pois a cada passo seu quadril baixava para o lado esquerdo. Além do nome em homenagem a santa, construiu uma capelinha para sua devoção. Erigiu-a em uma área central, do colégio, para que fosse vista por todos.
A aluna I. Tinha lido o Código Da Vinci e a parte da história que a mais intrigava era aquela onde foi revelado o casamento entre o Cristo e Maria Madalena tendo ela sido uma apóstola, a única mulher entre os apóstolos.
O professor F. era aplicado. Preparou-se muito para exercer a profissão. Tinha grande entusiasmo, mas desapontava-se com a falta de interesse dos alunos. Por mais interessante que tentasse ser, a sua narrativa acabava encoberta pelas várias conversas paralelas, aqui e acolá.
A aluna I era uma bela menina e seus olhos curiosos começavam a descortinar a janela em que poderia ver o mundo, queria escancará-la. Mas esse colégio representava um obstáculo às suas descobertas. Ao invés de estimulá-la, aquele lugar iria tolher os seus ímpetos.
Alguns meses depois da demissão do professor F. escreveu para ele uma carta na qual se queixava do conservadorismo da escola, não engolia aquela capela. As filhas da diretora/dona estudavam neste colégio. Pelas suas notas percebia-se que não refletia nas filhas o resultado das constantes palestras e cursos sobre educação que a mãe freqüentava.
Era um colégio particular de uma pequena cidade do interior. Todos os filhos parentes da diretora/dona estudavam ali. Alguns desses parentes/alunos exerciam influência sobre os demais alunos. Havia um menino que exercia influência sobre a sala inteira. Era tamanha sua liderança que alguns professores faziam um “acordinho” com ele. Alguns professores são fracos e sucumbem. O professor F. não aceitava, impunha sua didática e ignorava tal liderança. Até certo ponto ganhara o respeito desse aluno.
A Aluna I. Estava nessa sala e ficava revoltada com essa situação. Ela até pensou em mudar de escola, mas não poderia, pois estudar em outra cidade aumentaria os custos de sua família com educação, além do tempo maior que teriam que despender todos os dias e outros transtornos. Então, formou um grupo de amiguinhas que comungavam das mesmas idéias e se aproximaram dos professores mais críticos.
As aulas poderiam ser melhores, o professor poderia encantar a todos, pois uma didática envolvente não lhe faltava. Ele era impedido pela indisciplina quase generalizada. Ela era a única realmente interessada e fissurada em História, principalmente do Egito. O professor F. queria incentiva-la, assim presenteou-a com um livro sobre a civilização egípcia de uma famosa coleção. Semanas depois ela retribuiu o presente. Deu-lhe: O Código Da Vinci.
Uma vez o professor F. e o professor T. conversavam sobre a importância para a escola o desenvolvimento de um projeto educativo de ação coletiva que orientasse os alunos sobre SEXO e SEXUALIDADE, principalmente com aqueles alunos que visivelmente teriam uma orientação sexual, HOMO. Quando ouviu a proposta, a diretora/dona ficou embaraçada e constrangida. Jamais levaria aquele projeto adiante.
O professor F. havia trabalhado arduamente com uma sétima série, não lhes entrava nada na cuca, mesmo assim concientizava-os sobre a concentração necessária e persistência para entenderem a matéria. Finalmente no quarto bimestre as expectativas eram boas. Tudo indicava que eles dariam um salto, mas a direção da escola não queria correr riscos e criou um artifício para promovê-las. Uma espécie de PROVÃO ou seria melhor intitular POLÍTICA DE SALVAÇÕES. Foi uma imoralidade! Alunos que ao longo do ano todo tiveram nota abaixo da média conseguiram notas semelhantes a dos CDFs, em alguns casos notas superiores.
O colégio se encontrava em crise financeira e não poderia prescindir daqueles alunos matriculados. Cada aluno era dinheiro garantido. De fato, esse foi sempre o problema do ensino privado. Por mais que os seus donos neguem, o aluno sempre terá prioridade. São muitas escolas e nem tantos alunos assim. A saída de alguns influi na receita. O aluno sempre é o ponto delicado. O fiel da balança. Sem dinheiro nada acontece.
No ensino privado, salve exceções, o aluno sempre terá razão, assim como em um restaurante ou supermercado. A educação ganhou etiqueta, grife, transformou-se em produto que é facilmente encontrado nas prateleiras. O professor sempre encontrará obstáculos e até poderá ouvir do aluno a pergunta:
- Quem paga o seu salário?
O ato de dispensa não é tão fácil. Ele exige uma argumentação racional, mesmo que não seja aceito pelo demissionário. Mesmo que seja parte de uma razão improcedente e injusta.
Reuniu-se a diretora/dona com o seu enorme cabedal de palestras e cursos infindáveis com um advogado para demitirem o professor C.
O passo inicial seria dizer ao professor o motivo de tal dispensa, assim o fizeram, prontamente afirmaram:
- professor, alguém chegou até nós e disse que você estava desanimado, por isso decidimos que os seus serviços não são mais necessários à esta escola.
O professor C. perguntou?
-Como é que é?
Em resposta, confirmou a diretora/dona:
-É isso mesmo.
O professor C. Respondeu:
- Esse é o argumento mais ridículo que já ouvi. Como alguém pode dizer qualquer coisa a meu respeito e isto ser acatado imediatamente, sem que eu fosse ouvido, sem defesa.
Em seguida o professor C. Sacou de seu bolso uma prova que tinha no canto um recadinho de aluna. Escreveu, assim:
“professor esse foi um ano muito difícil e a turma estava muito revoltada, nos desculpe ano que vem será melhor”.
Aquele bilhetinho escrito na folha da prova acabou com qualquer argumentação contra o professor C.
Disse o advogado:
-Nós estamos conversando professor e não foi decidido nada ainda. Agora é a chance para você se defender.
O professor respondeu com certa ironia.
- Vocês querem me ouvir depois que me colocaram com a corda no meu pescoço em cima do cadafalso?
Eles queriam vergá-lo ao ponto em que ele, tentando se livrar da demissão baixasse a cabeça e ficasse, a partir daquele momento, em posição vulnerável e dependente.
Demitido, pensou que seu lugar era na educação pública, pois lá as regras eram claras. Ninguém irá dispensá-lo dessa forma. Antes, teria um processo com espaço para ampla defesa. Já tinha sido aprovado, mas aguardava a convocação que só viria no final do ano seguinte.
Uma das experiências mais democráticas que teve era aquela da escolha dos cargos pelos aprovados em concurso público. Pessoas consideradas ultrapassadas pelo mercado de trabalho, mas com gana e com vontade de se realizar, assim como o jovem professor com tatuagens e percyngs pelo corpo. Pensou: por mais que odeiem sua preferência houve um concurso que o selecionou por nível intelectual e não foi uma prova fácil, muito concorrida, mas sem uma etapa de entrevistas, o que é feito quando se quer selecionar um “perfil adequado.”
Não gostava nem de tatuagens, nem de piercyngs, achava que para educar, coisas como essas são irrelevantes e afirmava que:
Se um garoto depois de uma certa idade quiser fazer o mesmo, porquê devemos reprimi-lo?
Afirmava o mesmo para os professores homossexuais que não passariam em uma entrevista.
Alegariam que ele não se encaixa no perfil da instituição. Talvez para muitos o perfil adequado seria um tipo viril e masculinizado.
De fato, não existe uma educação “adequada”. A educação deve ser livre. Ao contrário teríamos uma educação manipuladora, uma verdadeira lavagem cerebral que defende a introdução pela educação de condutas essenciais para a construção de uma ideologia que garantiria a manutenção dessa fração no poder.
Por meio da educação, o aluno deverá construir seus referenciais, fazer seu próprio caminho. A escola apenas fornecerá as ferramentas adequadas. A educação libertadora, não uma educação reprodutora de valores sociais impostos. Queremos nos afastar do mundo não tão fictício de Orwell descrito em 1984. Daqui há pouco seremos presos pelo crime de pensamento.
Foi nessa escolha de cargo que uma senhora de cinqüenta ou sessenta anos, confessou-lhe:
- Quer saber de uma coisa. Eu preciso trabalhar, embora me considerem velha.
Ela não passaria no concurso se tivesse uma entrevista. Jamais escaparia aos olhos segregadores, preconceituosos que a mandariam de volta ao exílio, ostracismo.
Uma vez um amigo me disse o seguinte, quando lhe falei que iria me inscrever no concurso para o ensino público.
- Você tem cada idéia!
Considerava uma gelada: salários baixos e grandes preocupações, não era um bom lugar para trabalhar.
Alguns setores da sociedade consideram o professor do ensino público despreparado. Na verdade, o problema é que o nível de exigência é muito baixo. O professor não vai utilizar todo o seu conhecimento em sala de aula mesmo se quiser, pois em muitos casos o aluno, do ensino fundamental, não sabe nem ler, nem escrever. Então qualquer conhecimento que o professor desenvolva já é importante. Aqueles professores que comparecem aos cursos e palestras, compram livros e os lêem, fazem isso para si.
Uma coisa sempre em voga é tecer comentários sobre didática e educação quem nunca esteve em sala de aula. Escreve e fala sobre a escola quem nunca esteve nela enquanto professor. São inúmeros artistas, escritores com seus best sellers , mas seria excelente darem a eles um cargo de professor para que o exercessem um ano inteiro na sala de aula.
As teorias sobre educação são incompletas se não levarem em consideração o cotidiano da escola (principalmente sala de aula). Todos que escrevem sobre educação deveriam passar por essa experiência. Na educação a teoria depende da prática. Parece obvio, mas muitas decisões governamentais não consideram esse pressuposto. Embora seja relativo, pois muitas teses e políticas educativas inadequadas são projetadas e aplicadas por aqueles que viveram dentro da escola. É muito mais uma questão de sensibilidade e compromisso. Não esqueçamos que a escola é um espaço de poder, assim como toda esfera educacional é uma esfera de poder. A garantia do poder não pressupõe fazer aquilo que deve ser feito, custe o que custar, mas o que é conveniente (para a manutenção desse poder).
Desculpem-me a falta de polidez, mas algumas coisas precisam ser ditas sem meias palavras. Estou farto das meias palavras. Precisamos dizer palavras inteiras. Vivemos um momento onde nutrimos um medo terrível de falar o que sentimos e pensamos. Imaginamos que isso possa nos afetar de alguma maneira. Estamos calados e cheios de receio. Não estamos usando nem codinomes para falar por meio do anonimato, estamos reverenciando tudo que nos oprime e nos acostumamos com o gosto amargo que fica na boca.
CAOS
Naquele dia a sala de aula estava como sempre, repleta de alunos Era uma escola de uma pequena cidade do interior. O que nos faz pensar que seriam aulas tranqüilas. Mas as professoras, muitas vezes, saíam da sala de aula chorando. A situação era caótica. Os alunos as provocavam muito e as impediam de dar aulas. Eles conversavam em voz alta, brigavam entre sí, escondiam o lápis ou caderno de outro aluno, muitos saíam de seus lugares para formar rodinhas de conversa em plena aula, quando não dançavam hip-hop no fundo da sala sem a autorização.
O professor V. Era uma pessoa tranqüila. Contou-me que gostaria de fazer mestrado, mas que o momento ideal tinha passado. Logo após a formatura casou-se, em seguida vieram os filhos e com o tempo perdeu o pique.
A aluna R. tinha seus dez ou onze anos, era negra e nem todos os seus cabelos eram longos o suficiente para que os amarrassem, por isso parte deles ficava para fora do prendedor de cabelos. Sua camisetinha era surrada e tinha furos pequeninos, não calçava tênis, apenas chinelinhos. Naquela tarde estava conversando com as amigas durante a aula do professor V., conversava muito! Era como se ele não estivesse ali, diante dela, falando sobre o mundo da Geografia.
Incomodado, o professor V pediu para que as alunas R. e S. ficassem em silêncio e prestassem atenção na aula. A aluna S. Compreendeu e ficou quieta, mas R. riu, não se importou e depois de alguns minutos saiu do lugar para procurar conversa em outro canto. Ignorado, o professor V. Fez o pedido novamente e novamente não foi atendido. Irritado, não pediria uma terceira vez. Aproximou-se da aluna R. e visivelmente alterado, berrou:
-Fique quieta !
A aluna R. começou a chorar e pediu:
- Não me bate, não me bate.
Logo em seguida, saiu em disparada da sala de aula, foi procurar a irmã que estudava em outra série, na sala ao lado. Entrou sem avisar, olhou para irmã e disse:
-O professor me bateu.
E o que a irmã fez? Saiu rapidamente da escola pela porta da frente, sem pedir permissão. Havia uma porta entre a secretaria e as salas de aula que dava acesso à rua e que se encontrava sempre aberta. Esta porta tinha um defeito que a impedia de ficar trancada.
Nesse meio tempo, a aluna R esfrega o seu braço contra a parede para caracterizar supostamente a agressão. Quinze minutos depois a irmã volta à escola acompanhada de pai, mãe e irmãos. Entram pela mesma porta que ela havia saído e vão até a sala onde estava o professor V. tirar satisfação, tentam agredi-lo, mas não conseguem, pois ele é socorrido imediatamente pelo professor O. e pela professora H.
Meia hora de conversa foi o suficiente para esclarecer que a aluna não fora agredida. Ela mesma, no final, admitiu que nada aconteceu. Nenhum membro da direção estava presente e posteriormente alegaram que se encontravam fora da escola a serviço da Delegacia de Ensino. O professor V. não fez Boletim de Ocorrência. Resolveu deixar para lá.
O conjunto dos professores já discutiam, há semanas, o problema da conversa e desatenção em sala de aula. Esse acontecimento seria o ponto culminante. Era preciso fazer algo. O debate na sala dos professores, durante os intervalos, estava acesso. Um professor disse:
- É necessário uma reunião com os professores, funcionários e direção para discutirmos o problema e buscarmos uma solução.
A direção, constrangida por não estar presente no momento em que tudo aconteceu, retrucou:
- Vocês acham que não estamos tomando providências?
Os professores argumentaram que não era isso e em hipótese alguma a direção estava sendo questionada, juntos teríamos mais força para resolver o problema da conversa e desatenção em sala de aula.
Aproximava-se o dia da reunião de pais. Esse seria o momento. Nesse dia a orientação da direção era a de que fosse feita apenas a distribuição dos boletins com as notas, nada de discussão dos problemas e os professores aceitaram.
Após a reunião foi preparado um grande almoço. O cardápio era bacalhau, pois estávamos na Semana Santa. Assim tudo terminou em bacalhau e ninguém mais tocou no assunto.
A sala de aula pode ser algo arcaico. É muito difícil manter quarenta ou cinqüenta alunos em uma sala calados e compenetrados. A escola é algo estranho para eles. Muitos não sabem o que estão fazendo ali. Nunca se questionaram. Geralmente estão estudando por imposição dos pais ou pelo senso comum de que a escola é uma fase como qualquer outra da vida. Então é aí que para eles a escola começa perder o sentido. É necessário dar sentido à escola. É importante que a criança sinta a escola como parte dele e não algo estranho, chato.
DOLO
Naquele dia o professor X não tinha dormido direito, foi uma longa noite de um sono intranqüilo, não conseguiu se desligar do colégio. Sonhou com muitos alunos escrevendo na lousa sem a sua autorização. Usavam os gizes que tinha levado para a sala de aula. Pedia que parassem de fazer aquilo, mas não obedeciam. Escreviam seus nomes, algumas amenidades ou declarações de amor. Acordou com o toque do despertador.
Andava com a cabeça cheia de greve, redução, perda dos direitos e vizinhos barulhentos que não estavam fazendo de sua casa um lugar tranqüilo para morar. No caminho para escola pensou que aquele dia poderia não ser tão ruim, mas logo em seguida constataria que a resposta seria: NÃO. O professor X sempre era o primeiro a entrar na sala. Sentava-se na sua cadeira e colocava o livro sobre a mesa, abria-o e começava a ler naqueles minutinhos que antecediam a entrada dos alunos na sala. Ao bater o sinal, três alunos daquela sala e série entram correndo, param na frente da sala e começam a brigar entre eles. Outros mais comportados entram calados, observando a cena. O professor interrompe sua leitura e vai, irritado, exigir o fim daquilo. Espera a chegada dos atrasados, mas passados uns sete minutos, resolve fechar a porta. Um terço da sala estava lá fora. Toda semana entravam atrasados e isso não seria mais tolerado. Quando chegaram, todos de uma vez, o professor permitiu que entrassem, mas logo em seguida chamou a inspetora e pediu que ela os levassem para a diretoria.
Em seguida, deu bom dia e fez uma observação sobre o conteúdo daquela aula e virou-se para escrever na lousa algumas observações. Quatro aviõezinhos feitos por alunos com as folhas de caderno espiral voaram em direção ao professor. Um atingiu sua cabeça, dois as costas e o último passou perto. Queriam humilha-lo, permaneceram calados. Os supostos autores da façanha foram também para a diretoria, mas não ganharam suspensão. Poderia ser culpa do professor que não sabe como dar aulas. Na semana seguinte estavam todos lá de novo.
Semanas atrás, no período da noite, outros alunos saíram da sala foram até a caixa de interruptores e desligaram a luz da sala de aula. O professor continuou a aula como se nada tivesse acontecido. Foi a única forma de pararem aquilo. Só é legal quando o professor se irrita, mas teve um dia que o professor se encheu e mandou o aluno ir para o inferno. O pai do rapaz se revoltou e foi até a delegacia de ensino reclamar. O supervisor aceitou a queixa e abriu processo administrativo, em seguida foi a escola questionar a direção.
TELEVISÃO
Certo dia, o professor G. estava indo para a escola e viu o menino junto com a mãe. Os dois empurravam um carrinho desses de pegar papelão, papel velho e latinhas de refrigerante. Nesse momento, pensou que a situação econômica do menino pudesse ter alguma relação com a sua indisciplina. Pensou, que, em muitos casos, os mais indisciplinados são os mais humildes economicamente e que isso, talvez se devesse ao fato dos filhos serem o reflexo dos pais. Se é pobre irá preocupar-se com o pão, não com o livro. Geralmente, os pais não são alfabetizados, no melhor dos casos são alfabetizados instrumentais, sabem ler e escrever o próprio nome.
A maioria das análises sobre educação colocam a escola como o lugar onde a educação deve acontecer. Na verdade acontece mais fora da escola que dentro. Ela é um dos segmentos da cadeia educativa. Antes, destacaríamos a comunicação (principalmente a televisiva) e a família.
A televisão educa as famílias. Esse eletrodoméstico está em quase cem porcento dos lares brasileiros. Nem a geladeira e nem o fogão são populares como o televisor. O menino e a menina tem a família como uma escola permanente. Os profissionais da educação dependem muito da educação adquirida em casa. Bons modos se aprende lá, primeiramente. A escola vem em seguida e sua responsabilidade é abrir os alhos das crianças, jovens e adultos ao mundo. Dotando-os de instrumentos para interagir com o mundo.
O que está acontecendo é algo que poderíamos definir como DISTORÇÃO EDUCACIONAL. A TV precisa vender seus produtos e vender-se, entendendo que ela mesma é um produto que deve ser amplamente consumido. Vivemos uma crise de aquisição do conhecimento (conceitual), a descaracterização do conhecimento como um valor. Isso se reflete na televisão, pois a falta de dele influi, negativamente, no processo criativo. Quando falta criatividade, o aparato televisivo apela para os instintos humanos. SEXO e VIOLÊNCIA passam a figurar nos jornais e nas telenovelas.
A TV educa somente para o consumo. Seus reflexos podem ser sentidos na sala de aula e o maior deles é o desinteresse. A leitura exige concentração e tempo, diferente do tempo instantâneo da televisão que oferece tudo pronto, mastigado, cabendo ao telespectador o ato de engolir. É só sentar e assistir, sem nenhum esforço. Ela não proporciona a liberdade criativa que o livro oferece. Criar exige esforço, tempo e dedicação. É a isso que os alunos não estão acostumados.
Foi feita uma pergunta para uma aluna. Porque dizemos que a família é a nossa primeira escola e na íntegra ela respondeu:
- Bom, a família é a coisa mais importante do mundo, em primeiro lugar, a família que ensina tudo como respeitar o professor, os familiares, os amigos, ensina a viver se nós estamos no caminhos certos ou errados se estamos fazendo tudo direito, como nós estamos com o nosso comportamento se a gente estamos respeitando, ao próximo a família que faz com que nos aprendemos, a viver é ela que dá maioria das informações.
ESCOLHA
Em conversa aberta com os alunos surgiram algumas idéias sobre como melhor educar. Para eles a educação deveria ser interrompida aos dez anos de idade e retomada aos vinte anos. Nos dez anos de interrupção iriam simplesmente viver, trabalhar. Aos dezoitos ou dezenove perceberiam que a educação seria importante. Então voltariam para a escola, consciente da necessidade de retomada dos estudos.
Em outra conversa aberta o professor comentou a falta de respeito com o qual era tratado pelos alunos.
Alguns alunos disseram em resposta:
- Mas, você não escolheu essa profissão?
O professor não se sentiu afetado e respondeu com equilíbrio:
- Educar sempre foi difícil, mas o desrespeito é muito grande. Imaginamos a dificuldade, mas não poderíamos supor o seu grau. Que Ninguém deve achar bom escolher uma profissão para sofrer. Outra coisa: desrespeitar o professor não pode ser algo normal.
As alunas não se mostraram convencidas, pelo contrário, talvez não continuaram porque ficaram constrangidas. De fato, existe uma mentalidade de que o professor deveria saber onde estava se metendo.
Certo dia uma professora estava desabafando. Disse que o aluno estava utilizando uma desculpa muito comum para sair de seu lugar, apontar o lápis. Disse que não aceitou aquilo e pediu para se sentar. Ele virou-se para o lado da professora e começou apontar o lápis em cima dela como se fosse uma lata de lixo.
Os relatos como este são vários, por exemplo: no café os professores, a professora que teve problemas de audição depois do estouro de uma bomba fortíssima dentro do banheiro em que ela estava dentro do banheiro em que estava, ou a professora que deu entrada no pronto-socorro com a boca arrebentada, diziam que foi um soco dado por um aluno, o professor que teve o carro riscado de um lado ao outro. Muitos professores não gostam de deixar seus carros na frente da escola, estacionam nas imediações ou utilizam algum estacionamento.
Vivemos em um país cuja classe política tem apenas a confiança de cinco porcento dos brasileiros. O professor nunca esteve envolto em denúncias de corrupção, nem quebra de decoro. Seu nível salarial denúncia o desprestígio social, assim como as condições oferecidas para o exercício de suas funções. Toda nova política governamental para a educação passa ao largo da valorização do profissional da educação, especialmente o professor. Ele está no bairro todos os dias. Sua missão: educar os filhos de seus moradores. Não há coisa mais valiosa! No entanto, salve exceções, o professor não tem o voto de confiança dos pais.
A classe política tem cinco porcento de (im)popularidade, mas tem o voto de pelo menos oitenta porcento da população. Poderia ser pelo fato do voto ser obrigatório, mas quando o eleitor deposita seu voto de confiança em um político o faz pela esperança ou por conveniências.
A BIBLIOTECA
A biblioteca escolar não é o lugar mais frequentado de uma escola. O refeitório, a cantina e principalmente o pátio são mais. Na biblioteca reina o silêncio da tranqüilidade. Em muitos casos, livros encaixotado pelos cantos, em outras empilhados e desorganizados, pois ninguém vai lá, então não há necessidade de ficha-los e ordenadamente coloca-los na prateleira. Em outros casos estão organizados, em outros casos estão organizados, porém não seria bom que muitos os alunos os retirassem das prateleiras, pois tudo ficaria desorganizado novamente.
As bibliotecas escolares ocupam os menores espaços, as menores salas. Os livros ocupam mais que dois terços do espaço, organizado para comportar os poucos que vão até lá. Quando algum professor desavisado vai até lá com toda a sala de uma só vez é um deus nos acuda. Todos apertados, espremidos, descontrole e nervosismo. O professor adaptado, pego de surpresa fica desconcertado.
É difícil encontrar na biblioteca os professores. Eles não vão até lá ver quais livros tem muito menos retira-los. Alguns professores ficam surpresos ao verem outros professores com o livro em mãos. Percebemos qual o lugar e tamanho reservado à biblioteca da escola pela direção, funcionários e alunos. Constatamos que todos se conhecimento. Ele não se renova entre os professores e os antigos dogmas e paradigmas persistem, não existe um renovar constante, mas a sedimentação do conhecimento.
A biblioteca deveria ser o espaço propício às projeções da idéias, mas aqueles que as projetam são tidos como aves raras ou elementos estranhos ao espaço escolar. Existe uma rejeição às novas idéias que estão lá nos livros da biblioteca da escola.
Na biblioteca tem livros excelentes, o governo não os deixa faltar. Literatura brasileira tem muita, também arte, economia, política, história, física, biologia, matemática, etc. É só escolher algum, sentar e ler. Coisa simples, mas porquê não o fazem?
EDUCAÇÃO
A escola é um espaço de vivências. Poderia estar vendendo produtos, mas para quem trabalharia? Acho melhor trabalhar para o povo. Educar, abrir os olhos daqueles seres ao mundo. Função pública direta. Garoto é garoto, garota é garota em qualquer lugar. Embora ande descalço nas pedras o sangue que verte dos pés é um sangue pelo coletivo, pela força das idéias no lugar. O aprendizado é lento. O número de derrotas maior que o de vitórias, mas quem vive de pensamento? Posso dizer com orgulho que vivo. Educar não é fácil ainda mais com a televisão ai do lado, máquina que produz bestializados. Toda consciência desenvolvida na sala de aula é destruída em casa, na frente do televisor.
O pensamento é indispensável à democracia (instituição ocidental) e quando ninguém pensa estamos próximos da ditadura, pois somente um pequeno grupo pensa e decide os destinos. Cada um tem o poder é preciso usa-lo, mas para usa-lo é preciso consciência e para obtermos consciência o conhecimento é a matéria-prima. A informação e o conhecimento não poderão jamais ficar em uma só mão. Deverá permear toda sociedade.
A escola tinha o nome de uma santa, ensino privado. Era o pagamento de uma promessa para que sua dona voltasse a andar e andou, mas acompanhada de uma bengala que era seu apoio, pois a cada passo seu quadril baixava para o lado esquerdo. Além do nome em homenagem a santa, construiu uma capelinha para sua devoção. Erigiu-a em uma área central, do colégio, para que fosse vista por todos.
A aluna I. Tinha lido o Código Da Vinci e a parte da história que a mais intrigava era aquela onde foi revelado o casamento entre o Cristo e Maria Madalena tendo ela sido uma apóstola, a única mulher entre os apóstolos.
O professor F. era aplicado. Preparou-se muito para exercer a profissão. Tinha grande entusiasmo, mas desapontava-se com a falta de interesse dos alunos. Por mais interessante que tentasse ser, a sua narrativa acabava encoberta pelas várias conversas paralelas, aqui e acolá.
A aluna I era uma bela menina e seus olhos curiosos começavam a descortinar a janela em que poderia ver o mundo, queria escancará-la. Mas esse colégio representava um obstáculo às suas descobertas. Ao invés de estimulá-la, aquele lugar iria tolher os seus ímpetos.
Alguns meses depois da demissão do professor F. escreveu para ele uma carta na qual se queixava do conservadorismo da escola, não engolia aquela capela. As filhas da diretora/dona estudavam neste colégio. Pelas suas notas percebia-se que não refletia nas filhas o resultado das constantes palestras e cursos sobre educação que a mãe freqüentava.
Era um colégio particular de uma pequena cidade do interior. Todos os filhos parentes da diretora/dona estudavam ali. Alguns desses parentes/alunos exerciam influência sobre os demais alunos. Havia um menino que exercia influência sobre a sala inteira. Era tamanha sua liderança que alguns professores faziam um “acordinho” com ele. Alguns professores são fracos e sucumbem. O professor F. não aceitava, impunha sua didática e ignorava tal liderança. Até certo ponto ganhara o respeito desse aluno.
A Aluna I. Estava nessa sala e ficava revoltada com essa situação. Ela até pensou em mudar de escola, mas não poderia, pois estudar em outra cidade aumentaria os custos de sua família com educação, além do tempo maior que teriam que despender todos os dias e outros transtornos. Então, formou um grupo de amiguinhas que comungavam das mesmas idéias e se aproximaram dos professores mais críticos.
As aulas poderiam ser melhores, o professor poderia encantar a todos, pois uma didática envolvente não lhe faltava. Ele era impedido pela indisciplina quase generalizada. Ela era a única realmente interessada e fissurada em História, principalmente do Egito. O professor F. queria incentiva-la, assim presenteou-a com um livro sobre a civilização egípcia de uma famosa coleção. Semanas depois ela retribuiu o presente. Deu-lhe: O Código Da Vinci.
Uma vez o professor F. e o professor T. conversavam sobre a importância para a escola o desenvolvimento de um projeto educativo de ação coletiva que orientasse os alunos sobre SEXO e SEXUALIDADE, principalmente com aqueles alunos que visivelmente teriam uma orientação sexual, HOMO. Quando ouviu a proposta, a diretora/dona ficou embaraçada e constrangida. Jamais levaria aquele projeto adiante.
O professor F. havia trabalhado arduamente com uma sétima série, não lhes entrava nada na cuca, mesmo assim concientizava-os sobre a concentração necessária e persistência para entenderem a matéria. Finalmente no quarto bimestre as expectativas eram boas. Tudo indicava que eles dariam um salto, mas a direção da escola não queria correr riscos e criou um artifício para promovê-las. Uma espécie de PROVÃO ou seria melhor intitular POLÍTICA DE SALVAÇÕES. Foi uma imoralidade! Alunos que ao longo do ano todo tiveram nota abaixo da média conseguiram notas semelhantes a dos CDFs, em alguns casos notas superiores.
O colégio se encontrava em crise financeira e não poderia prescindir daqueles alunos matriculados. Cada aluno era dinheiro garantido. De fato, esse foi sempre o problema do ensino privado. Por mais que os seus donos neguem, o aluno sempre terá prioridade. São muitas escolas e nem tantos alunos assim. A saída de alguns influi na receita. O aluno sempre é o ponto delicado. O fiel da balança. Sem dinheiro nada acontece.
No ensino privado, salve exceções, o aluno sempre terá razão, assim como em um restaurante ou supermercado. A educação ganhou etiqueta, grife, transformou-se em produto que é facilmente encontrado nas prateleiras. O professor sempre encontrará obstáculos e até poderá ouvir do aluno a pergunta:
- Quem paga o seu salário?
O ato de dispensa não é tão fácil. Ele exige uma argumentação racional, mesmo que não seja aceito pelo demissionário. Mesmo que seja parte de uma razão improcedente e injusta.
Reuniu-se a diretora/dona com o seu enorme cabedal de palestras e cursos infindáveis com um advogado para demitirem o professor C.
O passo inicial seria dizer ao professor o motivo de tal dispensa, assim o fizeram, prontamente afirmaram:
- professor, alguém chegou até nós e disse que você estava desanimado, por isso decidimos que os seus serviços não são mais necessários à esta escola.
O professor C. perguntou?
-Como é que é?
Em resposta, confirmou a diretora/dona:
-É isso mesmo.
O professor C. Respondeu:
- Esse é o argumento mais ridículo que já ouvi. Como alguém pode dizer qualquer coisa a meu respeito e isto ser acatado imediatamente, sem que eu fosse ouvido, sem defesa.
Em seguida o professor C. Sacou de seu bolso uma prova que tinha no canto um recadinho de aluna. Escreveu, assim:
“professor esse foi um ano muito difícil e a turma estava muito revoltada, nos desculpe ano que vem será melhor”.
Aquele bilhetinho escrito na folha da prova acabou com qualquer argumentação contra o professor C.
Disse o advogado:
-Nós estamos conversando professor e não foi decidido nada ainda. Agora é a chance para você se defender.
O professor respondeu com certa ironia.
- Vocês querem me ouvir depois que me colocaram com a corda no meu pescoço em cima do cadafalso?
Eles queriam vergá-lo ao ponto em que ele, tentando se livrar da demissão baixasse a cabeça e ficasse, a partir daquele momento, em posição vulnerável e dependente.
Demitido, pensou que seu lugar era na educação pública, pois lá as regras eram claras. Ninguém irá dispensá-lo dessa forma. Antes, teria um processo com espaço para ampla defesa. Já tinha sido aprovado, mas aguardava a convocação que só viria no final do ano seguinte.
Uma das experiências mais democráticas que teve era aquela da escolha dos cargos pelos aprovados em concurso público. Pessoas consideradas ultrapassadas pelo mercado de trabalho, mas com gana e com vontade de se realizar, assim como o jovem professor com tatuagens e percyngs pelo corpo. Pensou: por mais que odeiem sua preferência houve um concurso que o selecionou por nível intelectual e não foi uma prova fácil, muito concorrida, mas sem uma etapa de entrevistas, o que é feito quando se quer selecionar um “perfil adequado.”
Não gostava nem de tatuagens, nem de piercyngs, achava que para educar, coisas como essas são irrelevantes e afirmava que:
Se um garoto depois de uma certa idade quiser fazer o mesmo, porquê devemos reprimi-lo?
Afirmava o mesmo para os professores homossexuais que não passariam em uma entrevista.
Alegariam que ele não se encaixa no perfil da instituição. Talvez para muitos o perfil adequado seria um tipo viril e masculinizado.
De fato, não existe uma educação “adequada”. A educação deve ser livre. Ao contrário teríamos uma educação manipuladora, uma verdadeira lavagem cerebral que defende a introdução pela educação de condutas essenciais para a construção de uma ideologia que garantiria a manutenção dessa fração no poder.
Por meio da educação, o aluno deverá construir seus referenciais, fazer seu próprio caminho. A escola apenas fornecerá as ferramentas adequadas. A educação libertadora, não uma educação reprodutora de valores sociais impostos. Queremos nos afastar do mundo não tão fictício de Orwell descrito em 1984. Daqui há pouco seremos presos pelo crime de pensamento.
Foi nessa escolha de cargo que uma senhora de cinqüenta ou sessenta anos, confessou-lhe:
- Quer saber de uma coisa. Eu preciso trabalhar, embora me considerem velha.
Ela não passaria no concurso se tivesse uma entrevista. Jamais escaparia aos olhos segregadores, preconceituosos que a mandariam de volta ao exílio, ostracismo.
Uma vez um amigo me disse o seguinte, quando lhe falei que iria me inscrever no concurso para o ensino público.
- Você tem cada idéia!
Considerava uma gelada: salários baixos e grandes preocupações, não era um bom lugar para trabalhar.
Alguns setores da sociedade consideram o professor do ensino público despreparado. Na verdade, o problema é que o nível de exigência é muito baixo. O professor não vai utilizar todo o seu conhecimento em sala de aula mesmo se quiser, pois em muitos casos o aluno, do ensino fundamental, não sabe nem ler, nem escrever. Então qualquer conhecimento que o professor desenvolva já é importante. Aqueles professores que comparecem aos cursos e palestras, compram livros e os lêem, fazem isso para si.
Uma coisa sempre em voga é tecer comentários sobre didática e educação quem nunca esteve em sala de aula. Escreve e fala sobre a escola quem nunca esteve nela enquanto professor. São inúmeros artistas, escritores com seus best sellers , mas seria excelente darem a eles um cargo de professor para que o exercessem um ano inteiro na sala de aula.
As teorias sobre educação são incompletas se não levarem em consideração o cotidiano da escola (principalmente sala de aula). Todos que escrevem sobre educação deveriam passar por essa experiência. Na educação a teoria depende da prática. Parece obvio, mas muitas decisões governamentais não consideram esse pressuposto. Embora seja relativo, pois muitas teses e políticas educativas inadequadas são projetadas e aplicadas por aqueles que viveram dentro da escola. É muito mais uma questão de sensibilidade e compromisso. Não esqueçamos que a escola é um espaço de poder, assim como toda esfera educacional é uma esfera de poder. A garantia do poder não pressupõe fazer aquilo que deve ser feito, custe o que custar, mas o que é conveniente (para a manutenção desse poder).
Desculpem-me a falta de polidez, mas algumas coisas precisam ser ditas sem meias palavras. Estou farto das meias palavras. Precisamos dizer palavras inteiras. Vivemos um momento onde nutrimos um medo terrível de falar o que sentimos e pensamos. Imaginamos que isso possa nos afetar de alguma maneira. Estamos calados e cheios de receio. Não estamos usando nem codinomes para falar por meio do anonimato, estamos reverenciando tudo que nos oprime e nos acostumamos com o gosto amargo que fica na boca.
CAOS
Naquele dia a sala de aula estava como sempre, repleta de alunos Era uma escola de uma pequena cidade do interior. O que nos faz pensar que seriam aulas tranqüilas. Mas as professoras, muitas vezes, saíam da sala de aula chorando. A situação era caótica. Os alunos as provocavam muito e as impediam de dar aulas. Eles conversavam em voz alta, brigavam entre sí, escondiam o lápis ou caderno de outro aluno, muitos saíam de seus lugares para formar rodinhas de conversa em plena aula, quando não dançavam hip-hop no fundo da sala sem a autorização.
O professor V. Era uma pessoa tranqüila. Contou-me que gostaria de fazer mestrado, mas que o momento ideal tinha passado. Logo após a formatura casou-se, em seguida vieram os filhos e com o tempo perdeu o pique.
A aluna R. tinha seus dez ou onze anos, era negra e nem todos os seus cabelos eram longos o suficiente para que os amarrassem, por isso parte deles ficava para fora do prendedor de cabelos. Sua camisetinha era surrada e tinha furos pequeninos, não calçava tênis, apenas chinelinhos. Naquela tarde estava conversando com as amigas durante a aula do professor V., conversava muito! Era como se ele não estivesse ali, diante dela, falando sobre o mundo da Geografia.
Incomodado, o professor V pediu para que as alunas R. e S. ficassem em silêncio e prestassem atenção na aula. A aluna S. Compreendeu e ficou quieta, mas R. riu, não se importou e depois de alguns minutos saiu do lugar para procurar conversa em outro canto. Ignorado, o professor V. Fez o pedido novamente e novamente não foi atendido. Irritado, não pediria uma terceira vez. Aproximou-se da aluna R. e visivelmente alterado, berrou:
-Fique quieta !
A aluna R. começou a chorar e pediu:
- Não me bate, não me bate.
Logo em seguida, saiu em disparada da sala de aula, foi procurar a irmã que estudava em outra série, na sala ao lado. Entrou sem avisar, olhou para irmã e disse:
-O professor me bateu.
E o que a irmã fez? Saiu rapidamente da escola pela porta da frente, sem pedir permissão. Havia uma porta entre a secretaria e as salas de aula que dava acesso à rua e que se encontrava sempre aberta. Esta porta tinha um defeito que a impedia de ficar trancada.
Nesse meio tempo, a aluna R esfrega o seu braço contra a parede para caracterizar supostamente a agressão. Quinze minutos depois a irmã volta à escola acompanhada de pai, mãe e irmãos. Entram pela mesma porta que ela havia saído e vão até a sala onde estava o professor V. tirar satisfação, tentam agredi-lo, mas não conseguem, pois ele é socorrido imediatamente pelo professor O. e pela professora H.
Meia hora de conversa foi o suficiente para esclarecer que a aluna não fora agredida. Ela mesma, no final, admitiu que nada aconteceu. Nenhum membro da direção estava presente e posteriormente alegaram que se encontravam fora da escola a serviço da Delegacia de Ensino. O professor V. não fez Boletim de Ocorrência. Resolveu deixar para lá.
O conjunto dos professores já discutiam, há semanas, o problema da conversa e desatenção em sala de aula. Esse acontecimento seria o ponto culminante. Era preciso fazer algo. O debate na sala dos professores, durante os intervalos, estava acesso. Um professor disse:
- É necessário uma reunião com os professores, funcionários e direção para discutirmos o problema e buscarmos uma solução.
A direção, constrangida por não estar presente no momento em que tudo aconteceu, retrucou:
- Vocês acham que não estamos tomando providências?
Os professores argumentaram que não era isso e em hipótese alguma a direção estava sendo questionada, juntos teríamos mais força para resolver o problema da conversa e desatenção em sala de aula.
Aproximava-se o dia da reunião de pais. Esse seria o momento. Nesse dia a orientação da direção era a de que fosse feita apenas a distribuição dos boletins com as notas, nada de discussão dos problemas e os professores aceitaram.
Após a reunião foi preparado um grande almoço. O cardápio era bacalhau, pois estávamos na Semana Santa. Assim tudo terminou em bacalhau e ninguém mais tocou no assunto.
A sala de aula pode ser algo arcaico. É muito difícil manter quarenta ou cinqüenta alunos em uma sala calados e compenetrados. A escola é algo estranho para eles. Muitos não sabem o que estão fazendo ali. Nunca se questionaram. Geralmente estão estudando por imposição dos pais ou pelo senso comum de que a escola é uma fase como qualquer outra da vida. Então é aí que para eles a escola começa perder o sentido. É necessário dar sentido à escola. É importante que a criança sinta a escola como parte dele e não algo estranho, chato.
DOLO
Naquele dia o professor X não tinha dormido direito, foi uma longa noite de um sono intranqüilo, não conseguiu se desligar do colégio. Sonhou com muitos alunos escrevendo na lousa sem a sua autorização. Usavam os gizes que tinha levado para a sala de aula. Pedia que parassem de fazer aquilo, mas não obedeciam. Escreviam seus nomes, algumas amenidades ou declarações de amor. Acordou com o toque do despertador.
Andava com a cabeça cheia de greve, redução, perda dos direitos e vizinhos barulhentos que não estavam fazendo de sua casa um lugar tranqüilo para morar. No caminho para escola pensou que aquele dia poderia não ser tão ruim, mas logo em seguida constataria que a resposta seria: NÃO. O professor X sempre era o primeiro a entrar na sala. Sentava-se na sua cadeira e colocava o livro sobre a mesa, abria-o e começava a ler naqueles minutinhos que antecediam a entrada dos alunos na sala. Ao bater o sinal, três alunos daquela sala e série entram correndo, param na frente da sala e começam a brigar entre eles. Outros mais comportados entram calados, observando a cena. O professor interrompe sua leitura e vai, irritado, exigir o fim daquilo. Espera a chegada dos atrasados, mas passados uns sete minutos, resolve fechar a porta. Um terço da sala estava lá fora. Toda semana entravam atrasados e isso não seria mais tolerado. Quando chegaram, todos de uma vez, o professor permitiu que entrassem, mas logo em seguida chamou a inspetora e pediu que ela os levassem para a diretoria.
Em seguida, deu bom dia e fez uma observação sobre o conteúdo daquela aula e virou-se para escrever na lousa algumas observações. Quatro aviõezinhos feitos por alunos com as folhas de caderno espiral voaram em direção ao professor. Um atingiu sua cabeça, dois as costas e o último passou perto. Queriam humilha-lo, permaneceram calados. Os supostos autores da façanha foram também para a diretoria, mas não ganharam suspensão. Poderia ser culpa do professor que não sabe como dar aulas. Na semana seguinte estavam todos lá de novo.
Semanas atrás, no período da noite, outros alunos saíram da sala foram até a caixa de interruptores e desligaram a luz da sala de aula. O professor continuou a aula como se nada tivesse acontecido. Foi a única forma de pararem aquilo. Só é legal quando o professor se irrita, mas teve um dia que o professor se encheu e mandou o aluno ir para o inferno. O pai do rapaz se revoltou e foi até a delegacia de ensino reclamar. O supervisor aceitou a queixa e abriu processo administrativo, em seguida foi a escola questionar a direção.
TELEVISÃO
Certo dia, o professor G. estava indo para a escola e viu o menino junto com a mãe. Os dois empurravam um carrinho desses de pegar papelão, papel velho e latinhas de refrigerante. Nesse momento, pensou que a situação econômica do menino pudesse ter alguma relação com a sua indisciplina. Pensou, que, em muitos casos, os mais indisciplinados são os mais humildes economicamente e que isso, talvez se devesse ao fato dos filhos serem o reflexo dos pais. Se é pobre irá preocupar-se com o pão, não com o livro. Geralmente, os pais não são alfabetizados, no melhor dos casos são alfabetizados instrumentais, sabem ler e escrever o próprio nome.
A maioria das análises sobre educação colocam a escola como o lugar onde a educação deve acontecer. Na verdade acontece mais fora da escola que dentro. Ela é um dos segmentos da cadeia educativa. Antes, destacaríamos a comunicação (principalmente a televisiva) e a família.
A televisão educa as famílias. Esse eletrodoméstico está em quase cem porcento dos lares brasileiros. Nem a geladeira e nem o fogão são populares como o televisor. O menino e a menina tem a família como uma escola permanente. Os profissionais da educação dependem muito da educação adquirida em casa. Bons modos se aprende lá, primeiramente. A escola vem em seguida e sua responsabilidade é abrir os alhos das crianças, jovens e adultos ao mundo. Dotando-os de instrumentos para interagir com o mundo.
O que está acontecendo é algo que poderíamos definir como DISTORÇÃO EDUCACIONAL. A TV precisa vender seus produtos e vender-se, entendendo que ela mesma é um produto que deve ser amplamente consumido. Vivemos uma crise de aquisição do conhecimento (conceitual), a descaracterização do conhecimento como um valor. Isso se reflete na televisão, pois a falta de dele influi, negativamente, no processo criativo. Quando falta criatividade, o aparato televisivo apela para os instintos humanos. SEXO e VIOLÊNCIA passam a figurar nos jornais e nas telenovelas.
A TV educa somente para o consumo. Seus reflexos podem ser sentidos na sala de aula e o maior deles é o desinteresse. A leitura exige concentração e tempo, diferente do tempo instantâneo da televisão que oferece tudo pronto, mastigado, cabendo ao telespectador o ato de engolir. É só sentar e assistir, sem nenhum esforço. Ela não proporciona a liberdade criativa que o livro oferece. Criar exige esforço, tempo e dedicação. É a isso que os alunos não estão acostumados.
Foi feita uma pergunta para uma aluna. Porque dizemos que a família é a nossa primeira escola e na íntegra ela respondeu:
- Bom, a família é a coisa mais importante do mundo, em primeiro lugar, a família que ensina tudo como respeitar o professor, os familiares, os amigos, ensina a viver se nós estamos no caminhos certos ou errados se estamos fazendo tudo direito, como nós estamos com o nosso comportamento se a gente estamos respeitando, ao próximo a família que faz com que nos aprendemos, a viver é ela que dá maioria das informações.
ESCOLHA
Em conversa aberta com os alunos surgiram algumas idéias sobre como melhor educar. Para eles a educação deveria ser interrompida aos dez anos de idade e retomada aos vinte anos. Nos dez anos de interrupção iriam simplesmente viver, trabalhar. Aos dezoitos ou dezenove perceberiam que a educação seria importante. Então voltariam para a escola, consciente da necessidade de retomada dos estudos.
Em outra conversa aberta o professor comentou a falta de respeito com o qual era tratado pelos alunos.
Alguns alunos disseram em resposta:
- Mas, você não escolheu essa profissão?
O professor não se sentiu afetado e respondeu com equilíbrio:
- Educar sempre foi difícil, mas o desrespeito é muito grande. Imaginamos a dificuldade, mas não poderíamos supor o seu grau. Que Ninguém deve achar bom escolher uma profissão para sofrer. Outra coisa: desrespeitar o professor não pode ser algo normal.
As alunas não se mostraram convencidas, pelo contrário, talvez não continuaram porque ficaram constrangidas. De fato, existe uma mentalidade de que o professor deveria saber onde estava se metendo.
Certo dia uma professora estava desabafando. Disse que o aluno estava utilizando uma desculpa muito comum para sair de seu lugar, apontar o lápis. Disse que não aceitou aquilo e pediu para se sentar. Ele virou-se para o lado da professora e começou apontar o lápis em cima dela como se fosse uma lata de lixo.
Os relatos como este são vários, por exemplo: no café os professores, a professora que teve problemas de audição depois do estouro de uma bomba fortíssima dentro do banheiro em que ela estava dentro do banheiro em que estava, ou a professora que deu entrada no pronto-socorro com a boca arrebentada, diziam que foi um soco dado por um aluno, o professor que teve o carro riscado de um lado ao outro. Muitos professores não gostam de deixar seus carros na frente da escola, estacionam nas imediações ou utilizam algum estacionamento.
Vivemos em um país cuja classe política tem apenas a confiança de cinco porcento dos brasileiros. O professor nunca esteve envolto em denúncias de corrupção, nem quebra de decoro. Seu nível salarial denúncia o desprestígio social, assim como as condições oferecidas para o exercício de suas funções. Toda nova política governamental para a educação passa ao largo da valorização do profissional da educação, especialmente o professor. Ele está no bairro todos os dias. Sua missão: educar os filhos de seus moradores. Não há coisa mais valiosa! No entanto, salve exceções, o professor não tem o voto de confiança dos pais.
A classe política tem cinco porcento de (im)popularidade, mas tem o voto de pelo menos oitenta porcento da população. Poderia ser pelo fato do voto ser obrigatório, mas quando o eleitor deposita seu voto de confiança em um político o faz pela esperança ou por conveniências.
A BIBLIOTECA
A biblioteca escolar não é o lugar mais frequentado de uma escola. O refeitório, a cantina e principalmente o pátio são mais. Na biblioteca reina o silêncio da tranqüilidade. Em muitos casos, livros encaixotado pelos cantos, em outras empilhados e desorganizados, pois ninguém vai lá, então não há necessidade de ficha-los e ordenadamente coloca-los na prateleira. Em outros casos estão organizados, em outros casos estão organizados, porém não seria bom que muitos os alunos os retirassem das prateleiras, pois tudo ficaria desorganizado novamente.
As bibliotecas escolares ocupam os menores espaços, as menores salas. Os livros ocupam mais que dois terços do espaço, organizado para comportar os poucos que vão até lá. Quando algum professor desavisado vai até lá com toda a sala de uma só vez é um deus nos acuda. Todos apertados, espremidos, descontrole e nervosismo. O professor adaptado, pego de surpresa fica desconcertado.
É difícil encontrar na biblioteca os professores. Eles não vão até lá ver quais livros tem muito menos retira-los. Alguns professores ficam surpresos ao verem outros professores com o livro em mãos. Percebemos qual o lugar e tamanho reservado à biblioteca da escola pela direção, funcionários e alunos. Constatamos que todos se conhecimento. Ele não se renova entre os professores e os antigos dogmas e paradigmas persistem, não existe um renovar constante, mas a sedimentação do conhecimento.
A biblioteca deveria ser o espaço propício às projeções da idéias, mas aqueles que as projetam são tidos como aves raras ou elementos estranhos ao espaço escolar. Existe uma rejeição às novas idéias que estão lá nos livros da biblioteca da escola.
Na biblioteca tem livros excelentes, o governo não os deixa faltar. Literatura brasileira tem muita, também arte, economia, política, história, física, biologia, matemática, etc. É só escolher algum, sentar e ler. Coisa simples, mas porquê não o fazem?
EDUCAÇÃO
A escola é um espaço de vivências. Poderia estar vendendo produtos, mas para quem trabalharia? Acho melhor trabalhar para o povo. Educar, abrir os olhos daqueles seres ao mundo. Função pública direta. Garoto é garoto, garota é garota em qualquer lugar. Embora ande descalço nas pedras o sangue que verte dos pés é um sangue pelo coletivo, pela força das idéias no lugar. O aprendizado é lento. O número de derrotas maior que o de vitórias, mas quem vive de pensamento? Posso dizer com orgulho que vivo. Educar não é fácil ainda mais com a televisão ai do lado, máquina que produz bestializados. Toda consciência desenvolvida na sala de aula é destruída em casa, na frente do televisor.
O pensamento é indispensável à democracia (instituição ocidental) e quando ninguém pensa estamos próximos da ditadura, pois somente um pequeno grupo pensa e decide os destinos. Cada um tem o poder é preciso usa-lo, mas para usa-lo é preciso consciência e para obtermos consciência o conhecimento é a matéria-prima. A informação e o conhecimento não poderão jamais ficar em uma só mão. Deverá permear toda sociedade.
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