Hegemonia

Fragmento da Tese de Doutoramento de Samuel de Jesus: "Gigante Pela Própria Natureza": as raízes da projeção continental brasileira e seus paradoxos. (22.06.2012)


O termo hegemonia origina-se da palavra grega egemonía que significa “direção suprema”. Indicava o poder absoluto conferido aos chefes dos exércitos, chamados egemónes. Eles eram os condutores de um sistema de Estados, pois tinham o predomínio militar, econômico e cultural. Condicionavam as decisões desses Estados por prestígio ou através da coerção.

O conceito de hegemonia não é, portanto, um conceito jurídico, de direito público ou de direito internacional; implica antes uma relação interestatal de potência, que prescinde de uma clara regulamentação jurídica. Segundo este critério, poder-se-ia definir a hegemonia como uma forma de poder de fato que, no continuum influência-domínio, ocupa uma posição intermédia, oscilando ora para uma ora para outro pólo. (BOBBIO, 1998, pp.579).

O conceito de “hegemonia mundial” considerado por Arrighi se refere à capacidade que um Estado possui de exercer a liderança e o governo sobre um sistema de nações soberanas. Historicamente, é o governo que representa um conjunto de nações soberanas que se uniu em torno de algum tipo de ação transformadora, essa ação alterou o modo de funcionamento do sistema político e econômico vigente. Arrighi (1996) lembra que para Antônio Gramsci, pai do conceito de hegemonia, ela significa também uma liderança moral, intelectual e não à dominação pura e simples, pois procura a aceitação conceitual dos dominados
Hegemônica seria aquela nação que ordenaria o caos no sistema político internacional. Segundo Arrighi (1996), caos sistêmico é a falta total de ordem, não é o mesmo que anarquia que é a geração da ordem a partir conflito ou a falta de organização dentro de certos limites, a exemplo do sistema medieval de poder.

Trata-se de uma situação que surge por haver uma escalada de conflito para além do limite dentro do qual ele desperta poderosas tendências contrárias, ou porque um conjunto de regras e normas de comportamento é imposto e brota de um conjunto mais antigo de regras, sem anulá-lo ou por combinação dessas duas circunstâncias. (ARRIGHI, 1996, pp.30)

Qualquer Estado ou grupo de Estados capaz de gerar a ordem sistêmica poderá tornar-se mundialmente hegemônico. Historicamente os Estados que possuem êxito, fazem-no reconstituindo o sistema mundial em novas e amplas bases, instituindo a cooperação interestatal.  Os Estados hegemônicos, no moderno sistema mundial, fizeram reestruturações que permitiram a sua manutenção e expansão. Esse moderno sistema mundial emergiu da decadência e eventual desintegração do sistema de governo da Europa Medieval. (ARRIGHI, 1996, pp. 31)
A origem, estrutura e evolução do moderno sistema estatal tem como aspecto central a oposição constante das lógicas territorial e capitalista de poder com suas recorrentes resoluções e contradições. Elas são decorrências da reorganização do espaço político-econômico mundial pelo Estado capitalista central.
 Para Arrighi (1996), a manifestação de hegemonia britânica ocorreu quando esta conseguiu a capacidade para alegar com credibilidade que a expansão do poder do Reino Unido não servia apenas aos seus interesses nacionais, mas também a um interesse universal, sobretudo à expansão generalizada da riqueza das outras nações. Essa afirmação representou a substituição da ordem estabelecida no Tratado de Vestfália[1] que impôs a decadência do sistema de governo medieval baseado nas relações de suserano-vassalia. (ARRIGHI, 1996, pp.56)
Para Arrighi (1996), o Capitalismo Histórico teve três hegemonias, a primeira foi a efêmera liderança holandesa no sistema de Vestfália, que apontou para o conjunto de Estados em uma direção específica, ou seja, a expansão comercial ultramarina, apoiada pelo poderio naval e pela formação das companhias de comércio e navegação, também do capital acionário ligado ao Estado.
No período compreendido entre as Guerras Anglo - Holandesas (1652) até o fim das Guerras Napoleônicas (1815) a luta pela supremacia mundial entre Inglaterra e França dominou o sistema interestatal. No curso dessas lutas houve violações ao Tratado de Vestfália, pois a França Napoleônica desrespeitou os direitos de propriedade e livre comércio dos não combatentes. Desapropriou e bloqueou a maior parte da Europa continental.
A segunda hegemonia foi a do Reino Unido que tornou-se hegemônico por liderar uma vasta aliança de forças contra o seu rival francês. Sobretudo, a França Napoleônica pretendeu restaurar o que considerava seus direitos nacionais. O Reino Unido empreendeu uma grande re-organização desse sistema para acomodar as novas dimensões do poder,  o que seria chamado de imperialismo de livre comércio. Esse sistema se expandiu e superou o de Vestfália, pois passou a considerar os interesses, ambições e emoções de um sistema de Estados Nacionais e não mais dos monarcas.
Essa “democratização” foi desenvolvida no plano internacional através de uma centralização do poder sem precedentes nas mãos do Reino Unido.

Nenhum Estado imperialista jamais havia incorporado em seus domínios territórios tão numerosos, tão populosos e tão vastos quanto fez o Reino Unido no século XIX e nenhum governante territorialista jamais havia extraído à força, em tão curto prazo, tantos tributos – em mão-de-obra, recursos naturais e meios de pagamento – quanto fizeram o Estado britânico e seus clientes no subcontinente indiano durante o século XIX. Parte desses tributos foi usada para alicerçar e expandir o aparelho coercitivo a partir do qual mais e mais súditos não ocidentais foram acrescentados ao império territorial britânico (ARRIGHI, 1996, pp. 54)


O imperialismo de livre comércio sujeitou as nações à autoridade de uma entidade metafísica, o mercado mundial. Este possuía suas próprias leis. No século XX, a intensificação da competição interestatal e a difusão da gestão econômica nacional era o instrumento dessa competição, assim como o processo de socialização da gestão de guerra. (GIDDENS, 1987, pp. 223-4 apud ARRIGHI, 1996). Este passou a ser um dos principais esforços dos governantes, ou seja, gerir o Estado de guerra.
            O fim da hegemonia Britânica veio com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) entre as grandes potências que aumentou o poder dos não proprietários envolvidos direta ou indiretamente no esforço de guerra, mas alijados do poder decisório. A Revolução Russa de 1917, ao defender o direito de todos os povos à autodeterminação, sobretudo a defesa aos direitos de subsistência sobre os direitos de propriedade e de governo, fomentou o avanço da revolução social paralelamente à desintegração do mercado mundial.
            Segundo Hobsbawn (2007, pp. 49, 50) a hegemonia dos Estados Unidos não se deveu apenas às bombas, sobretudo ao papel central que sua economia desempenhou e desempenha no mundo após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que possibilitou a esse país o consenso geral dos países ricos frente ao comunismo. No plano cultural, “moral” teve como base a crescente sociedade de consumo e o papel exercido por Hollywood que, por meio de seus filmes, projeta os Estados Unidos e projeta a cultura estadunidense como superior. A ideológia dos Estados Unidos como “guardião da liberdade” contra a “tirania” propagada por Hollywood é outro elemento importante para a contrução da hegemonia estadunidense.
Terence Hopkins (1990, pp. 411 apud ARRIGHI, 1996, pp. 76, 77, 78) sugeriu que as hegemonias holandesa, britânica e estadunidense poderão ser interpretadas como momentos sucessivos na formação do sistema capitalista mundial: a hegemonia holandesa possibilitou a criação de uma economia capitalista mundial como sistema social histórico. A hegemonia britânica tornou mais nítida os seus alicerces e a deslocou para a dominação global; diferentemente a hegemonia americana ampliou seu alcance, estrutura e penetração e, ao mesmo tempo, liberou os processos que vem através do tempo provocando sua derrocada.
É preciso salientar que Arrighi não considera hegemonia e imperialismo como conceitos distintos. O imperialismo é parte de um processo histórico que conferiu a liderança intraestatal a alguns países como a Holanda, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Estes em momentos históricos sucessivos foram capazes de exercer a hegemonia mundial. Assim imperialismo seria uma das faces da hegemonia mundial.

Referências Bibliográficas.



ARRIGHI, G. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.




BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. Tradução de Carmen C. Varriale et al., coordenação de tradução de João Ferreira e revisão geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1998. 

HOBSBAWM, E. J. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.





[1] Em 24 de outubro de 1648 foi assinada a Paz da Vestfália, selando o fim da Guerra dos 30 Anos. Desde 1618 as potências europeias guerreavam entre si, num conflito que fez milhões de vítimas. Em Münster – onde foram registradas as primeiras assinaturas para a Paz da Vestfália, em maio de 1648 – e em Osnabrück, escrevia-se a história europeia. Pela primeira vez, nessas duas cidades, os Estados europeus se reuniram para tratar dos destinos do continente como um todo, com o fim de assumir conjuntamente a responsabilidade pela Europa. Nesse sentido, pode-se dizer que em Münster e Osnabrück foi, naquele momento, realizada uma espécie de "Conferência sobre a Segurança e a Cooperação na Europa". A nova ordem era garantida pelas grandes potências, a Suíça e a Holanda se tornaram independentes, a Suécia passou a controlar os principados de Bremen e Verden, e o príncipe eleitor de Brandemburgo ganhou terras onde em breve nasceria a Prússia. A França também alcançou seus objetivos na guerra, ganhando territórios e se libertando do cerco exercido pelo poder dos Habsburgos. Fonte: DH-WORLD - http://www.dw-world.de/dw/article/0,4228070,00.html


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