Breve comentário sobre o Livro APESAR DE VOCÊS: oposição a ditadura brasileira nos Estados Unidos 1964-1985.

Fragmento da Tese de Doutoramento de Samuel de Jesus: "Gigante Pela Própria Natureza": as raízes da projeção continental brasileira e seus paradoxos. (22.06.2012)

 O historiador estadunidense James Green publicou recentemente um livro chamado Apesar de Vocês: oposição à Ditadura nos Estados Unidos (1964-1985). Nesse livro descreve questionamentos, no final dos anos 60, sobre o apoio dos Estados Unidos à Ditadura Militar Brasileira. Foram os exilados brasileiros que começaram a angariar apoio dentro dos Estados Unidos contra a ditadura. Um dos fatos mais importantes foi a prisão e deportação do grupo teatral Leaving Theater em Ouro Preto no ano de 1979. Esse incidente teve grande repercussão nos Estados Unidos e chamou a atenção da opinião pública norte-americana para o regime ditatorial brasileiro.
            Também a expulsão do Brasil do pastor Brady Tyson sob a acusação de ter promovido uma greve em Osasco/SP em 1966. Nos anos 70, Tyson convidou Marcio Moreira Alves, Deputado Federal cassado pelo Ato Institucional n°05, a percorrer os Estados Unidos denunciando o regime de excessão vivido pelo Brasil. Moreira Alves tentou convencer os membros do Partido Democrata a não seguirem a política de apoio ao governo militar brasileiro. A estilista Zuzu Angel também denunciou, nos Estados Unidos, as violações dos Direitos Humanos no Brasil. Seu filho, Stewart Angel, foi perseguido, torturado e morto por órgãos do governo militar.
             Esses fatos foram marcantes para o despertar de consciência de setores liberais estadunidenses de que o apoio do governo dos Estados Unidos ao Regime Militar Brasileiro não podia continuar. Em 1969 houve uma mudança no Congresso desse país com relação ao apoio de seu governo à Ditadura Brasileira. Os congressistas passaram a exigir a garantia dos Direitos Humanos no Brasil. (GREEN, 2009)
            Dois congressistas foram importantes para essa tomada de posição. Edward Kennedy que fez um discurso em 1970 denunciando a postura do governo ditatorial brasileiro e criticando a política pró-ditadura dos EUA. O segundo foi Frank Church, influente senador que investigou as atividades ilegais da CIA e do FBI. A política do Governo Carter de Direitos Humanos nasceu por causa do Brasil, sobretudo resultado dessa pressão promovida por setores progressistas estadunidenses. (GREEN, 2009)
             Na campanha presidencial norte-americana de 1976, o candidato democrata, Carter, acusou o Partido Republicano de apoiar as ditaduras vigentes no Brasil e no Chile. Sua campanha apoiava o fim da ditadura e o restabelecimento da democracia, sobretudo o respeito aos direitos humanos. Em visita ao Brasil em 1978, o presidente Carter discursou:

Hoje estamos todos nos unindo num esforço global em prol da causa da liberdade humana e do Estado de Direito. Esta é uma luta que só será vitoriosa quando estivermos dispostos a reconhecer as nossas próprias limitações e a falarmos uns com os outros com franqueza e compreensão. (CARTER, 30-03-1978).

            A defesa dos Direitos Humanos frente à Ditadura Militar Brasileira teve impacto nos rumos do governo militar. Essa mudança da Política Externa Estadunidense foi um dos fatores que contribuíram para a queda do Regime Militar, mas não deixa de representar uma influência da Política Externa Estadunidense sobre os rumos da Política Interna Brasileira mesmo sob o argumento da defesa dos Direitos Humanos. O presidente norte-americano Jimmy Carter fez uma visita de três dias ao Brasil. Nessa visita, ouviu relatos de violações dos direitos humanos no país. O Comitê Brasileiro pela Anistia entregou durante o encontro realizado em Brasília um dossiê com o histórico dos últimos 14 anos de ditadura, em que denunciava a existência de 10 mil brasileiros no exílio. Deste total, 122 haviam sido banidos por leis de exceção. (Universidade de Passo fundo, 2010).
          O documento citava também os relatórios da Anistia Internacional em que constam os nomes de milhares de brasileiros torturados pelos órgãos policiais, dos quais centenas foram mortos e de 600 pessoas que tiveram seus direitos políticos cassados. Já os jornais norte-americanos Washington Post e The New York Times destacaram a forma fria com que Geisel recebeu Carter, devido às divergências entre ambos a questão direitos humanos e a oposição norte-americana à proliferação nuclear. (Universidade de Passo fundo, 2010).
A relação entre os dois países ficou tensa quando, um ano antes dessa visita, a Primeira Dama estadunidense Rosalyn Carter contou ao presidente Geisel que esteve em Recife e ouviu de dois missionários, saidos da prisão, que haviam sido torturados. Geisel reagiu negativamente às palavras da Primeira–Dama estadunidense. Após esse incidente, cinco acordos militares entre os dois países foram cancelados. Principalmente após o Departamento de Estado norte-americano ter levado ao Congresso, um relatório sobre as torturas a presos políticos no Brasil. (Universidade de Passo fundo, 2011). 
Geisel, em carta a Carter datada de 1974, mostra toda a sua divergência com Carter em relação a questão dos Direitos Humanos e deixa claro que o gesto do governo estadunidense é uma interferência na política interna do Brasil.

         No que concerne à questão dos Direitos Humanos, considera o Brasil que seu respeito constitui um dos principais deveres políticos e morais do Estado. Existem é claro, prioridades a serem atendidas para assegurar aos cidadãos o gozo pleno desses direitos, inclusive no que se refere a condições essenciais de desenvolvimento econômico e social do país. Não creio que sejam muito diferentes os nossos pontos de vista. O Brasil considera, porém, que a responsabilidade por determinar essas prioridades e por assegurar respeito àqueles direitos é do próprio Estado e não pode ser atribuído a outros Estados. Não faltamos com a nossa recuperação voluntária para o exame do assunto em foros internacionais, o que o Brasil recusa, e continuará recusando, é a intervenção de outros países em assuntos que consideram internos, pois temos o dever para com o nosso povo de não lhes criar novas formas de dependência. (GEISEL, 1974).



Bibliografia.
Carter, Jimmy. Discurso do presidente Carter em visita ao Brasil, Folha de S. Paulo, 30-03-1978. http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_30mar1978.htm



GEISEL, Ernesto. Presidente da República Federativa do Brasil. À sua excelência senhor Jimmy Carter. Presidente dos Estados Unidos da América. Arquivo Ernesto Geisel FGV-CPDOC - Cod: trb02481.0105  data 30.08.2008 EG PR 1974.06.07



GREEN, James N. Apesar de vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985 / James N. Green; tradução S. Duarte; prefácio Carlos Fico. — São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Universidade de Passo fundo. 29 de março de 1978- Comitê Brasileiro da Anistia denuncia ditadura. http://historiaupf.blogspot.com/2011/03/29-de-marco-de-1978-comite-brasileiro.html retirado em 15-07-2011.



            








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