Nos rincões da mentalidade política
Escrito por Samuel de Jesus em 2010.

Nessa campanha 2010 os boatos, assim como as mistificações disseminados fizeram com que, certamente, fosse a pior campanha presidencial pós-1985. Desde as primeiras eleições gerais livres de 1989. Nesse ano existiam boatos e mistificações, ridículas também, mas de caráter ideológico. Por exemplo a de que o Lula é comunista e comunista come criancinha (eu, pessoalmente, já ouvi esse tipo de coisa). Se o Lula ganhasse, teríamos que trabalhar nos finais de semana. Outra do Mário Amato, presidente da FIESP, disse que se o candidato Lula ganhasse, a maioria dos empresários sairiam do país. Passados 21 anos, nessa campanha presidencial de 2010, imaginávamos que o povo brasileiro tivesse amadurecido, porém a boataria e mistificações estiveram presentes, mas agora, tiveram uma conotação conservadora e religiosa.
Muito embora a candidata Dilma tenha ganhado, não podemos ignorar a votação expressiva de José Serra que utilizou como quis a declaração de sua adversária em que afirmava ser favorável ao aborto. A estratégia de Serra era clara, obter o apoio de todas as religiões e demonizar a candidata Dilma. Ao levantar a questão do aborto e atribuir a sua oponente posição favorável a lei do aborto, impediu que ela ganhasse a eleição no primeiro turno. A questão ganhou proporções tamanhas que a candidata Dilma teve que reunir os líderes religiosos para dizer, agora, que era contrária ao aborto. Na reta final da campanha o Papa Bento XVI orientou os católicos brasileiros a não votarem em candidatos pró-aborto.
Ao longo dessa campanha, escutei grandes bobagens que tiveram o seu devido efeito eleitoral de pessoas formadas, bobagens como a de que o vice-presidente eleito Michel Temer é satanista e que a estratégia seria eleger Dilma para que, posteriormente, em uma eventual renúncia da presidenta, o poder fosse transferido para o representante do satanismo no Brasil, o vice, Michel Temer. Ouvi também que a candidata Dilma não representava as mulheres porque seria homossexual. Dilma assaltou, banco, matou gente e outras tantas cretinices disseram. O candidato Serra e seus asseclas disseminaram a dúvida e a incerteza de uma forma rasteira, através da fábrica de boatos. Uma gráfica na grande São Paulo cuja proprietária era filiada ao PSDB, distribuía panfletos para divulgar que a candidata do PT era pró-aborto. Parece-me que a maioria dos boatos que ocorreram surgiram dos impressos produzidos nessa gráfica. A Polícia Federal apreendeu todo o material, os panfletos, inclusive contavam com o logo da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB.
Eleita Dilma, é o momento das forças progressistas no Brasil se atentarem para a influência das bancadas evangélicas no Congresso Nacional, o avanço dos carismáticos e evangélicos no universo político que utiliza novas roupagens para disseminar antigos valores. Vivemos em um sistema de governo republicano e democrático. A base desse sistema de governo é o seu caráter laico, ou seja, latus, sentido amplo e abrangente. Esse tipo de Estado no qual vivemos deve absorver todos os credos, todos os grupos étnicos, todas as opiniões, assim como todas as ações políticas que se coadunem com o espírito democrático, todas as orientações sexuais.
A sociedade democrática é a sociedade plural onde todos convivem com respeito mútuo, sendo assim, o Estado não poderá orientar suas ações através dos pressupostos ideológicos, sexuais e sobretudo religiosos, pois se o Estado Republicano considerar os pressupostos religiosos a democracia está ameaçada, estaremos caminhando para uma teocracia. Teocracia é um governo onde existe a união entre Estado e religião, ou seja o Estado baseia suas ações segundo os valores religiosos.
Recentemente, no Brasil, as forças religiosas estão se opondo aos avanços da medicina como as pesquisas de células-tronco, à políticas publicas como a distribuição de camisinhas e sobretudo a chamada Lei do Aborto. É preciso dizer que os membros da bancada evangélica ao assumirem seus mandatos fizeram um juramento à Constituição Federal e não à Bíblia Sagrada. Legalmente poderiam sofrer um processo por decoro parlamentar, mas é claro que isso não vai acontecer. O fato é que a Constituição tem um caráter laico e só se assume o mandato prestando juramento à Constituição.
O avanço das forças religiosas é um dos desafios da democracia brasileira. Se quisermos estabelecer uma sociedade livre e plural deveremos pensar sobre o aumento dessa influencia para não nos tornarmos uma teocracia. É certo que alguns religiosos ao lerem esse texto irão dizer que estou a serviço de satã. Dessa forma vocês podem enxergar como a visão religiosa representa uma ameaça a livre expressão
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