Interdepedência




Fragmento da Tese de Doutoramento de Samuel de Jesus: "Gigante Pela Própria Natureza": as raízes da projeção continental brasileira e seus paradoxos. (22.06.2012)

           Nye Jr (2009) lembra Rousseau e suas afirmativas de que a interdependência proporcionaria atritos e conflitos, assim a “solução” seria o isolamento. Salienta que essa concepção de Rousseau é impensável em um mundo cada vez mais globalizado e interdependente.
                        Rousseau em Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens afirma:

Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo natural ou física, por ser estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, por que depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos vários privilégios de que gozam alguns em prejuízo de outros, como o serem mais ricos, mais poderosos e homenageados do que estes, ou ainda por fazerem-se obedecer por eles.  (ROUSSEAU, 1983,  pp.235).     
            Para Nye Jr. (2009), o termo interdependência se refere as situações nas quais os protagonistas ou acontecimentos em diferentes partes de um sistema afetam-se mutuamente. Destacaremos seu conceito de Interdependência Complexa que diferentemente do Realismo considera que os Estados não são os únicos protagonistas importantes, a força não é a única alternativa e a segurança não é o objetivo principal.
Como seria o mundo se três pressupostos básicos do realismo fossem invertidos? Esses pressupostos são que os Estados são os únicos protagonistas importantes, a força militar é o instrumento dominante e a segurança é a meta dominante. Ao contrário, podemos postular uma política mundial muito diferente: 1) Os Estados não são os únicos protagonistas importantes – protagonistas transnacionais atuando através das fronteiras dos Estados são os maiores agentes; 2) a força não é o único instrumento importante – a manipulação e o uso de instituições internacionais são os instrumentos dominantes; 3) a segurança não é a meta dominante – a guerra é a meta dominante. Podemos postular esse mundo antirrealista de interdependência complexa. (…) a interdependência complexa é um experimento racional que nos permite imaginar um tipo de política mundial diferente. Tanto o realismo quanto a interdependência complexa são modelos simples ou tipo ideais. O mundo real se situa em algum ponto entre os dois (NYE JR. 2009, pp.265).
Nye Jr. se reporta a relação comercial entre China e Estados Unidos para exemplificar a interação no mundo real entre a interdependência complexa e o realismo. Muito embora a relação comercial entre China e Estados Unidos seja assimetricamente favorável a China, os EUA não são vulneráveis a um potencial embargo chinês, pois poderiam comprar em outros lugares e não necessariamente da China. Por outro lado o potencial de ambas com relação aos seus mercados consumidores, tanto o mercado norte-americano para os Chineses ou o mercado Chinês para os norte-americanos, limita uma potencial ação dos Estados Unidos contra a China e vice e versa.
            Os pesquisadores brasileiros, Mariano e Mariano (2002, pp.52) afirmam que os Estados estão sendo obrigados a aceitar a soberania exercida coletivamente quando a solução para algumas questões estiver fora de seu alcance decisório como, por exemplo, problemas ambientais com origem fora de seu Estado Nacional.

Por trás do conceito de regime internacional está implícita a idéia dos Estados como incapazes de resolver ou administrar certas questões de forma isolada, porque a solução estaria fora de seu alcance decisório – como no caso dos problemas ambientais, com origem fora do território nacional – ou porque o Estado não pode arcar sozinho com os custos da solução. Cada vez mais, os países estão sendo obrigados a aceitar que, em certos campos, a soberania deve ser exercida coletivamente. (MARIANO & MARIANO, 2002, pp.52)


            A teoria da interdependência oferece uma solução conjunta dos problemas. Isso estimula os países à cooperação, mas limitaria parcialmente a autonomia dos Estados, restringiria parcialmente a capacidade governamental de decidir questões unicamente de seu interesse, pois é preciso agir multilateralmente. Segundo Mariano e Mariano há um dilema, reafirmar a soberania estatal por meio de decisões unilaterais ou formar instituições multilaterais e a elas aderir?
            Nye Jr. (2009) fala da simetria que se refere àquelas situações de dependência relativamente equilibrada versus desequilibrada. Ser menos dependente pode ser fonte de poder, assim manipular as assimetrias da interdependência pode ser uma fonte de poder na política internacional. (pp.256-257). 
            Mariano & Mariano (2002) fazem suas afirmações baseados no MERCOSUL; assim é preciso esclarecer que, por exemplo, com relação à Amazônia deveremos considerar outros aspectos. Isso porque, o MERCOSUL surgiu a partir do momento em que a frente de conflito sul, baseada na rivalidade política entre Brasil e Argentina, perdeu o sentido. Para o Brasil, a frente de conflito passa a ser o norte, a região amazônica. A partir desse momento, os assuntos discutidos estarão relacionados com a Questão Ambiental; o narcotráfico foi eleito como uma nova ameaça ao ocidente e passou a reorientar as ações estratégicas dos militares brasileiros.
            Mariano e Mariano (2002) afirmam que segundo a teoria da interdependência:


Há distinção, entre instituição multilateral e processo de integração regional, pois embora o último seja uma instituição internacional multilateral, sua finalidade é bem diferente. Uma instituição multilateral é criada para viabilizar uma determinada finalidade – promoção da paz, controle nas relações econômicas etc. – garantindo previsibilidade nas relações entre nações para um determinado aspecto. Um processo de integração regional, no entanto, ultrapassa esse objetivo, ao pressupor alterações nos Estados participantes, e não somente a cessão de soberania, mas a possibilidade de criação de um poder supranacional. (MARIANO & MARIANO, 2002).


            Após analisarmos os conceitos de soberania, imperialismo, hegemonia e interdependência, destacamos a hegemonia mundial como a liderança e a governança sobre o conjunto de nações soberanas, sobretudo a capacidade de criar uma ordem sistêmica. (Arrighi, 1996). Partindo desse pressuposto, pensamos sobre a real capacidade do Brasil em conduzir um sistema sulamericano de nações. Essa liderança conferiria ao Brasil protagonismo político em seu entorno. A análise que fizemos indica que o caminho poderia ser o da interdependência, pois o Brasil não possui condições econômicas e militares para exercer a supremacia atribuída às potências.
            Pensando a tentativa de construção da hegemonia brasileira na América do Sul e o questionamento sobre sua postura política, podemos afirmar que até agora o Brasil não liderou um sistema interestatal a ponto de criar uma nova ordem e também não convenceu um conjunto amplo de Estados a adotarem o seu modelo de desenvolvimento
A adoção do Soft Power seria a alternativa mais viável ao Brasil, mas essa alternativa oferece algumas problemáticas, tais como a soberania compartilhada. Esse tipo de soberania encontra resistências, basicamente dos círculos nacionalistas brasileiros, dentre eles estão os militares brasileiros que internamente tem conseguido que os governos aprovem e implantem seus projetos, suas políticas e estratégias de defesa.
Dentre eles destacamos a Política de Desa Nacional (2002) e a Estratégia Nacional de Defesa (2008) que prevê uma nova política de aquisição de material bélico e a revitalização da indústria de defesa brasileira.  Isso contraria o disposto no acordo de criação do Conselho de Segurança da União das Nações Sul-americanas (UNASUL) que prevê o compartilhamento das decisões na área da defesa.
As contradições e ambiguidades trazem incertezas e desconfianças com relação à Política Externa Brasileira. Esse fato representa um óbice à liderança brasileira na América do Sul. Sobretudo, o termo “imperialismo brasileiro” é cada vez mais recorrente no contexto político sul-americano. Esse termo está carregado de antipatias com relação à postura brasileira. 

Referências Bibliográficas.


 MARIANO, Marcelo Passini; MARIANO, Karina Lilia Pasquariello. As teorias de integração regional e os estados subnacionais. In: Impulso, Revista de Ciências Sociais e Humanas. Piracicaba: Editora Unimep, vol. 13, n° 31, mai./ago. 2002.

NYE JR. Joseph S. O Paradoxo do Poder Americano. O paradoxo do poder americano. São Paulo: UNESP, 2002.

________________. Cooperação e conflito nas Relações Internacionais: uma leitura essencial para entender as principais questões da política mundial. São Paulo: Gente, 2009.

Política de Defesa Nacional. Brasília, Presidência da República. Centro Gráfico, 1996.



ROSSEAU, J. J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os Homens. São Paulo: Abril Cultural, 1983.


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