Manifesto Caboclo

                                                                                  Por Samuel de Jesus


Nada é incômodo para Gilberto Freyre considerado muitas vezes um ufanista e um conservador, mas a lição que deixou foi a de que deveremos reconhecer ou seja fazer um profundo mergulho dentro de nós mesmos, Gilberto Freyre nesse ínterim é revolucionário, embora tenha vivido parte de sua vida nos Estados Unidos, nunca se utilizou da adoção de um modelo-saída para o Brasil, ele vê o Brasil como algo estonteante, original, esse otimismo, considerado por muitos como ufanismo seria a argamassa fundamental para a construção do Brasil.
Os modelos de desenvolvimento ao longo, principalmente da História do Brasil, embora admitam as particularidades brasileiras, sempre tentam condicionar o desenvolvimento da História brasileira aos seus modelos sejam nacionalistas liberais, marxistas, revolucionários ou não, todos correspondentes as idéias desenvolvidas no velho mundo.
A revolução brasileira deve considerar este ou aquele pressuposto para que a façamos, sempre procura encaixar um losango dentro de um cubo. As coisas são como são! A história de um lugar é feita de particularidades que não se encaixam a nada antes visto.
       Revolucionários também foram os modernistas de 22 eles foram tão originais que ousaram adotar novos modelos, novos padrões, embora suas técnicas originalmente fossem desenvolvidas na Europa. O caipira, o interior, os operários, os bandeirantes, o mulato, o sertão, o retirante, o povo, a malandragem, a falta de caráter. A semana de arte moderna não era de tendência nacionalista, comunista ou anarquista, etc.
       Há muito foi e está sendo vislumbrado uma alternativa para a América Latina, entender a natureza americana para adaptar-se aos padrões, nossa natureza é distinta. O que seria progresso para os indígenas que não são capazes de compreender o porquê do branco trabalhar mais do que precisa. Estão os índios em seu estado de natureza a cumprir as tarefas cotidianas pela manhã para que gozem à tarde e à noite. Estamos a imprimir ferrenhamente no seio da sociedade brasileira uma oposição ao malandro como se fosse o símbolo de nosso subdesenvolvimento e nos inserimos na ética do trabalho.
       A instituição da malandragem se contrapõe por natureza à ética moderna “imitatio” dos clássicos com retoques modernos. E o que existe de africanidade ou indianidade no malandro? Assim olhamos nele com os olhos do europeu. O malandro seria o traço mais nítido de nosso subdesenvolvimento?
       Freneticamente vislumbramos a chegada ao Brasil moderno, sem isto não somos nada. Seria preciso pensar na anticivilização, pois até onde produzimos esquemas e modelos para nos autonegarmos? Nossa transformação societal deve ser livre de modelos e esquemas. É preciso nos constituirmos considerando nossas particularidades.
       Há que se considerar também que as estruturas do país estão dadas e constituídas, vivemos em um país capitalista que se entrega de forma subordinada à rede de produção mundial onde predomina o poderio das grandes corporações que se fundem cada vez mais, formando conglomerados de capitais monstruosos controlados cada vez mais por um grupo menor de pessoas.
       Dentro desta conjuntura dada e estruturada deveremos basear nossas realidades. Cada vez mais constituímos uma sociedade global, onde cada vez mais se suprimem ações isoladas em níveis estatais. Dentro deste quadro deveremos nos posicionar para que não sejamos cooptados aleatoriamente. Isso exige de nós uma posição firme, assim mesmo àqueles que se contrapõem a este conjunto o fazem segundo os pressupostos europeus.
      Os marxistas e a sua revolução correspondem a uma conjuntura histórica européia que é importada para toda a periferia, seus pressupostos estão calcados no modelo de produção europeu que encontra suas versões também na periferia do capitalismo, em revoluções. A transposição da Revolução Russa de 1917 para o Brasil como fora tentado, em 1935 na chamada Intentona Comunista, nada mais era do que a tentativa de superação do sistema de produção europeu capitalista que concentrava nas mãos da burguesia os capitais. No socialismo, a produção e seu fruto, o lucro, seria socializado. A sociedade russa viu a conversão da Revolução em um Estado autocrático, o Estalinismo.
Negar a sociedade européia não é nossa intenção isto seria absurdo, pois a nossa sociedade fora construída segundo sua semelhança. O fato é que o negro brasileiro pensa, vive e sente como o europeu e são poucos aqueles que estão na Umbanda e são ainda muito poucos que cultivam de seus antepassados as lembranças da época dos navios negreiros. O esquecimento é a melhor forma de subjugar um povo!
A História da África na Grade Curricular do Ensino Fundamental e Médio se refere muito mais a uma rearticulação do modelo produtivo no século XXI baseados em modelos de diversidade cultural, mundialização, que um profundo mergulho dentro das raízes do Brasil objetivando a formulação de um projeto nacional que englobe todo o conjunto da sociedade.
A negação da matriz européia não cabe neste texto, muito ao contrário, como já disse, nossa sociedade foi formada segundo seus pressupostos. Os defensores da sociedade burocrática, racional-legal são os mesmos que demonstram aversão ao malandro. Esses estão revestidos da ética conservadora do trabalho, aplicar o modelo anglo-saxão não é algo que nos convém, aboliremos todos os modelos, absorveremos todas as cores e as verdades que nos forem compatíveis.
Não podemos ser caboclos querendo dar uma de ingleses. As grandes coisas, às vezes, nos parecem tão pequenas que nem notamos, refiro-me à Jorge Amado esse grande homem dos trópicos! Ele sempre estava se apresentando ao mundo com as suas camisas coloridas, vivíssimas contrastando com seus cabelos brancos de algodão, destacando-se sempre da intelectualidade europeia - brasileira. Jorge sua cosmovisão baiana, aquele que retrata pelas letras sua terra, seu povo, homem do povo em sintonia contínua com a massa de pés descalços e descamisados. Ele também não oferece nenhuma fórmula.
Alguns perguntariam: e o nosso produto interno bruto? Vamos viver menos para o nosso produto interno bruto. Claro! Vamos cuidar do produto interno bruto, mas vamos nos engajar como portadores de nós mesmos e dos nossos próprios interesses, como índios, negros e brancos, árabes, japoneses que somos.
Exaltamos o método europeu, os grandes mestres estão lá no velho continente. Gostamos da Europa! É natural, pois as matrizes de nosso pensamento lá estão, mas é preciso saber se os seus modelos se aplicam à nossa realidade.

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