O “amigo americano”: a CIA e a repressão brasileira.
Fragmento da Tese de Doutoramento de Samuel de Jesus: "Gigante Pela Própria Natureza": as raízes da projeção continental brasileira e seus paradoxos. (22.06.2012)
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, conversa como o presidente estadunidense Lyndon Johnson.
Thomas
Skidmore (1982) afirma não existir dúvidas de que Lincoln Gordon (ex-embaixador
dos EUA no Brasil em 1964) foi um entusiasta do governo ditatorial brasileiro,
pois em 23 de abril de 1964 falou em Porto Alegre que a queda de Goulart simbolizou uma nova arrancada do Brasil para
a realização dos ideais da Aliança para o Progresso. Em 05 de maio do mesmo ano
na Escola Superior de Guerra exaltou a “Revolução” Brasileira e disse que ela
poderia ser comparada como um momento decisivo da História Mundial, assim como
foi o Plano Marshall (1947), o Bloqueio de Berlim (1948-1949), a derrota do
comunismo na Coréia e a resolução da Crise dos Mísseis em Cuba (1962).
Em 1966, quando encerrou sua missão
no Brasil, Lincoln Gordon, afirmara sua crença no compromisso, do governo
Castelo Branco[1] em
restaurar os procedimentos “democráticos” no Brasil, compatíveis com os princípios
da política Estados Unidos - América Latina. É importante afirmar que as
palavras de Lincoln Gordon eram endossadas por Washington. (SKIDMORE, (1982)
2000, PP. 397).
Marta Huggins (1998) revela não só
envolvimento entre a Central americana de inteligência (CIA) no treinamento da
repressão brasileira (no período pós – Ato Institucional nº 5), mas a montagem
de uma estrutura de repressão baseada no DOI-CODI[2].
A Casa Branca sabia e a CIA através do Office of Public Safety Brasil (OPS-Brasil),
montou, operacionalizou a estrutura de repressão e treinou seus agentes.
Richard Helms, diretor da CIA,
afirma que pelo menos indiretamente a OPS contribuiu para uma centralização da
Polícia Brasileira (HUGGINS, 1998, pp. 188). Os Comandantes Militares de cada um dos Exércitos
Brasileiros, tinham responsabilidade por tudo que envolvia a segurança.
Sobretudo legitimou a ideologia baseada na divisão do país em “verdadeiros
cidadãos” de um lado e “subversivos” de outro, a parte “desviante”. A criação
do DOI – CODI, uma rede nacional interligada de forças de segurança da polícia
e das forças armadas, todas sobre o controle militar direto.
Em 1969, o primeiro
desses novos órgãos foi instituído em São Paulo como a Operação Bandeirantes (OBAN),
comando das operações de defesa interna em âmbito estadual. Um ano depois, esse
modelo estendeu-se para todo o Brasil como DOI-CODI, sendo sua missão obter
informações e neutralizar os terroristas. (HUGGINS, 1998, pp. 189).
Richard Helms entendia o DOI-CODI em comissões
compostas por membros das forças armadas e da polícia. A posição mais alta na
hierarquia era ocupado por cada comandante dos distritos militares.
A estrutura do
DOI-CODI destinava-se a ajudar as forças de segurança do Brasil a superar as
disputas de jurisdição e falta de coordenação entre os inúmeros órgãos
militares e civis de inteligência e segurança, como explicou o próprio Helms. (
HUGGINS, 1998, pp. 189).
A utilidade da normatização da violência estatal no
Brasil obedeceu a interesses dos Estados Unidos, pois ofereceram treinamento,
tecnologia, apoio moral e político à tortura no Brasil promovida pela polícia e
pelo governo brasileiro. Washington sabia sobre essa prática (HUGGINS, 1998,
pp. 189-190).
Os DOIs dos maiores
Estados eram divididos em três esquadrões: um prendia e caçava os sujeitos
(“busca e captura”), outro captava informações e recolhia os prisioneiros (
“informação e interrogação”) e o outro analisava as informações obtidas a
partir das infiltrações obtidas a partir da infiltração em associações e interrogatórios
de informantes (“informação”) (HUGGINS, 1998, pp. 191).
Os consultores de segurança da OPS – Brasil
consideravam seu trabalho como uma espécie de “missão religiosa”, consideravam
seu método legitimo para acabar com a desordem brasileira, pois seu principal
objetivo era proporcionar segurança aos Estados Unidos e garantir as
“liberdades democráticas”. O DOPS era essencial nessa estrutura, pois os
militares estavam despreparados inicialmente para coletar informações de
inteligência civil, para interrogar prisioneiros para conduzir operações de
segurança interna. (FON, 1986 apud HUGGINS, 1996, pp.190).
Helms, diretor da CIA, utilizou o
termo “guerra santa” para falar da violência do Governo Brasileiro contra os
“terroristas” afirmou ainda que “a violência não era nada de novo no Brasil”
Em algumas regiões,
particularmente no nordeste (do Brasil), a violência é tida como um meio
tradicional - e muitas vezes bastante respeitável – de punição. Em muitas áreas
rurais, os espancamentos e, em casos extremos, os tiros da polícia e até mesmo
dos proprietários de terras locais constituem há muito tempo um dos métodos
favoritos para manter as classes inferiores em seu lugar... em quanto esse tipo
de tratamento não resulta em mortes, a população rural mantêm-se indiferente. (HELMS,
1971 apud HUGGINS, 1998, pp.204).
Martins Filho (1998) destaca a
participação da CIA na Sexta-Feira Sangrenta. Afima:
Para
Huggins, contudo, o OPS operou em 1968 não apenas como observador, mas como
ativo assessor, sugerindo inclusive mudanças de tática para colocar as forças
repressivas à altura das passeatas-relâmpago do movimento estudantil. Uma
dessas novas medidas foi a colocação de franco-atiradores no alto dos
edifícios, o que talvez explique as numerosas mortes da "sexta-feira sangrenta"
(MARTINS FILHO, 1998, pp. 04, 05).
A
sexta-feira sangrenta se refere ao dia 21 do julho de 1968 em que ocorreu um
grande protesto contra a Ditadura Militar (1964-1985) nas ruas do Rio de
Janeiro. Foram levantadas barricadas, na Avenida Rio Branco e apedrejamento do
Consulado dos Estados Unidos.
Sá Corrêa (1977) revela os canais de telex que ligavam a
Casa Branca e a embaixada estadunidense no Brasil que confirmam a Operação Brother Sam cujo objetivo era evitar o estrangulamento dos golpistas de 64, em seu ponto mais frágil que era a falta de
combustível, isso considerando a hipótese de uma luta longa. O Embaixador
Lincoln Gordon foi responsável por acioná-lo. (CORRÊA, 1977, pp. 97).
A
Operação Brother Sam não daria o apoio bélico, mas estratégico, pois o maior
temor dos EUA seria a falta de combustível, assim 40 mil barris de gasolina
comum, 15 mil barris de gasolina de aviação, 33 mil barris de óleo diesel e 20
mil barris de querosene estavam prontos para serem enviados ao Brasil via
Montevidéu.
Outro
petroleiro, o Chapacket, traria 35 mil barris de querosene, 40 mil de gasolina
comum e 33 mil de aviação, o terceiro barco Hampton Road preparado para o porto
de pequeno calado, carregaria 150 mil barris. E o quarto Nash Bulk, 56 mil
barris de gasolina comum, 39 mil de gasolina de aviação e 92 mil de querosene.
(CORREA, 1977, pp. 17).
Esse
volume todo de combustível somado aos quatro petroleiros que levavam 136 mil
barris, corresponderia a um dia de consumo do Brasil no ano de 1976 ou 1977.
Por exemplo o Santa Inez estava pronto para zarpar de Aruba rumo ao Brasil no
dia 02 de abril e chegaria na vizinhança de Santos entre 10 e 11 de abril. No
mesmo dia se encontraria por aqui o porta-aviões Forrestal cuja missão era garantir
o desembarque do combustível. (SÁ CORRÊA, 1977, pp.17).
O
embarque de munição é apresentado, num comunicado do Estado Maior conjunto da
Força Aérea como missão de apoio ao plano operacional de que a força tarefa
naval fora encarregada. Destina-se à Operação Brother Sam 110 toneladas de
armas e munições e há mensagem que falam em encaixotar 250 carabinas de calibre
12. (SÁ CORRÊA, 1997, pp.17).
O grau
de envolvimento da OPS no treinamento da repressão brasileira chegou a tal
ponto que fora construída uma sala de simulação. Nessa sala era ensinado
à polícia o “combate” aos “subversivos“; depois do AI-5, segundo Huggins,
existem dados que confirmam a triplicação do número de policiais brasileiros
enviados aos EUA para treinamento e também em 1969 a OPS teve participação
na criação da Operação Bandeirantes - OBAN (na fase do Regime Militar chamada
de policialização do Regime Militar brasileiro).
Finalmente,
a autora mostra com abundância de evidências que a tortura serviu não apenas ao
regime brasileiro, mas aos objetivos de segurança nacional dos EUA, naquela
quadra da Guerra Fria. Para Huggins, também é impossível isentar os Estados
Unidos da degeneração das atividades policiais nos tristemente conhecidos
"esquadrões da morte" atuantes no Brasil nos anos 60 e 70. (MARTINS
FILHO, 1998, pp. 04, 05).
A partir dessa informação,
observamos uma colaboração secreta de agentes dos EUA na montagem de um aparato
de perseguição, tortura e aniquilamento de insurgentes ao Regime Militar no
Brasil (1964-1985). Isso envolveu, inclusive, ensino e treinamento de práticas
de tortura. Esse fato revela um estreito grau de cumplicidade entre a CIA e as
Forças Armadas brasileiras.
Está escrito em um telegrama de 04
de março de 1964 da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro destinada ao
Secretário para Assuntos Latino Americanos que os militares brasileiros seriam um
fator estabilizador e moderador na cena política brasileira e um fator
essencial para conter os “excessos” da esquerda do Governo Goulart. Destaca
ainda que os militares brasileiros não possuem origem aristocrática, possuem
orientação nacionalista, mas não fascista e pró-constitucionalista democrática.
Sobretudo possuem capacidade de suprimir as desordens internas dentro dos
limites constitucionais. Salienta ainda que durante o período pós-guerra se
beneficiaram da orientação pró-americana de Oficiais da Forças Armadas
Brasileiras, resultando em uma aliança ativa durante a Segunda Guerra, porém
estes oficiais estavam se aposentando, o que tornava necessária a aproximação
com a nova oficialidade para manter relações estreitas e eficazes. (GORDON, 1964
apud SÁ CORRÊA, 1977, pp.87)
[1] Castelo Branco, promovido a Tenente Coronel, em 15 de abril de 1943, Na
FEB ocupava a Terceira Seção que era responsável por traçar os planos
operacionais no cenário de guerra. (Dulles, 1979)
[2] DOI era o Departamento
de Ordem Interna, consistia em uma força de prontidão para combater diretamente
as organizações “subversivas”, desmontar sua estrutura pessoal e material. Em
cada uma das zonas de defesa interna (DOI-COD) possuía um CODI (Centro de
Comando de Operações de defesa interna), identificava as prioridades, analisava
informações obtidas pela inteligência, planejava missões e esquadrões do DOI.
(HUGGINS, 1998, pp. 190).
Bibliografia
CORRÊA, Marcos Sá. 1964: visto e comentado pela Casa
Branca. Porto Alegre: LPM, 1977.
HELMS, Richard. Testimony to the Committee ON Foreign
Relations of the USA Senate, U.S. Programs in Brazil, 05 de maio 1971.
FOIA: Depoimento Helms.
HUGGINS,
Martha. Polícia e política. Relações Estados Unidos/América Latina. -
São Paulo: Cortez, 1998.
MARTINS
FILHO, João Roberto. O
Amigo Americano. - Estudos Históricos, Rio de Janeiro: vol.
12, n. 22, 1998.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de
Getúlio à Castelo Branco, 1930 – 1964. -7ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982.
_________________. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1998.
SKIDMORE, Thomas. SMITH, P. H. Modern Latin America. Oxford University
Press, New York – Oxsford, 1984, pp. 419.
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