Breve história da formação das fronteiras brasileiras na Amazônia

Fragmento da dissertação de mestrado de Samuel de Jesus, intitulada: Os militares e a Amazônia (2003)



A Amazônia Legal ocupa 5.016.136,3 km2, que correspondente a 59% do território brasileiro. Sua população é aproximadamente 24 milhões de pessoas, segundo o Censo 2010, distribuídas em 775 municípios, nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins (98% da área do estado), Maranhão (79%) e Goiás (0,8%). Além de conter 20% do bioma cerrado, a região abriga todo o bioma Amazônia, o mais extenso dos biomas brasileiros, que corresponde a 1/3 das florestas tropicais úmidas do planeta, detém a mais elevada biodiversidade, o maior banco genético e 1/5 da disponibilidade mundial de água potável. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1887&id_pagina=1  //Extraído em 01/01/2012

O espanhol Vicente Pinzón que, depois de atingir as costas de Pernambuco, em janeiro de 1500, partiu rumo ao norte e, em fevereiro do mesmo ano, deparou-se com a foz de um rio imenso ao qual chamou “Grande Rio de Mar Dulce”. A descoberta da foz despertou a curiosidade de aventureiros dentre eles estavam os espanhóis, portugueses e genoveses. As lendas foram parte da motivação de exploradores, lendas como a do “país da canela” e também outras lendas como as das amazonas que eram índias guerreiras que possuíam arcos e flechas, tinham cabelos compridos e andavam sempre nuas; elas, na verdade, faziam parte das histórias do Frei Gonçalo de Carvajal que fascinavam a Europa e movimentavam as expedições exploradoras.

As primeiras viagens dos espanhóis pela Amazônia pertencem, de fato, ao ciclo lendário dos descobrimentos geográficos universais, quando o sonho e a fantasia interferiram com acentuada freqüência que muitas investidas e conquistas até hoje envoltas aos mistérios das historias romanescas (TOCANTINS, 1961, pp. 40)


Após a expedição de Orellana, ao longo do século XVI, seguiram-se outras como as de Pedro Ursua e Lopo de Aguirre (1561), expedições religiosas promovidas pelo jesuíta Samuel Fritz, no Solimões (1689 a 1704). A lenda do “país das Amazonas”, que deu nome à região, é produto da mitologia grega, (das guerreiras da ilha de Lesbos), transplantada pelos espanhóis para o ambiente do novo mundo de forma ao mesmo tempo a preservar a região contra invasores e incentivar suas conquistas pelos ibéricos.

As novas paisagens instigavam a imaginação dos aventureiros a criar o país da Canela, o Eldorado, a Manoa, cidade dos telhados de ouro, as Amazonas guerreiras, mitos peculiares aos grandes deslocamentos históricos ao domínio dos desertos. As historias exóticas se reproduziam ao sabor da fantasia de cada um, minando o espírito das gerações. As pesquisas históricas esclarecem que a palavra “ELDORADO” provém da contração “El Hombre Dorado” mito que mergulha raízes em uma prática de exorcismo pagão da aldeia dos índios da aldeia de Gravita, nas montanhas de Nova Granada. (TOCANTINS, 1961, pp. 51).


A Construção do Forte de Presépio (1616).

O tratado de Tordesilhas (1494) assegurava a Portugal somente a embocadura do rio Amazonas – inicialmente, a região não despertou interesse por parte de Portugal, (o comércio com as índias tinha prioridade), nem dos espanhóis (além de encontrar dificuldades em conter as invasões preferiam ocupar suas colônias nas Antilhas e Costa Ocidental do Pacífico). Instalaram-se, na região, ingleses, franceses e holandeses. Essa situação de competição pela posse da nova terra só ganhou um tratamento diferente com a união das coroas ibéricas (1580-1640). O símbolo da conquista da Amazônia pelos portugueses é o Forte de Presépio, construído em 1616 por Francisco Castelo Branco; simboliza tal edificação, o domínio da foz do rio Amazonas, representando, assim, a implantação do Império luso ao longo do curso do grande rio e seus afluentes.
A criação da capitania de São José do Rio Negro, que deu origem ao atual estado do Amazonas, representa ponto importante de consolidação do poder português na foz do Amazonas, representa também, sua expansão rio adentro. Os Fortes construídos, em seguida ao de Presépio, fazem parte do processo do estabelecimento dos limites brasileiros na Amazônia. Tais edificações foram construídas em vias naturais de acesso, em locais estratégicos, os mais distantes possíveis, com o objetivo de barrar os futuros conquistadores. A conquista formal da região amazônica se iniciou com a construção do Forte de Presépio (atual Belém), em 1616, pelos portugueses, seguido pela construção dos seguintes Fortes:

- Forte de Garupa, em 1663;
- S. J. do Rio Negro, em 1669;
- Forte de Macapá, em 1688;
- Forte de Santarém, em 1697;
- Forte de Óbidos, em 1697;
- Forte de São Joaquim da Barra do Rio Negro, em 1699;
- Construção da divisão naval do norte em Belém, em 1728;
- Forte de São José das Marabitanas, em 1761;
- Forte de São Gabriel da Cachoeira, em 1761;
- Forte de São Francisco Xavier de Itabatinga, em 1775;
- Forte de São Joaquim, em 1775;
- Forte de Príncipe da Beira, em 1776.*

Os Fortes foram margeando os grandes rios da região do Amazonas, possibilitando que os europeus seguissem para além das fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Tordesilhas e estabelecesse a configuração geográfica da Amazônia brasileira tal como conhecemos hoje. A ação do Governo de Lisboa de expulsar os aventureiros ingleses, franceses, holandeses, e expandir o marco do domínio português, até as proximidades das nascentes andinas do grande rio e seus afluentes da margem norte, foi possibilitada pelo Tratado de Madri (1750), firmado sobre o princípio do uti possidetis, ou a posse por uso, como critério demarcatório.
O Marquês de Pombal teve um papel decisivo na incorporação do espaço amazônico ao Brasil, por meio das suas cartas (1755), foram fixados os objetivos geopolíticos da expedição comandada por Mendonça Furtado (1754). A expedição contava, também, com D. José de Iturriaga, delegado plenipotenciário de Castela, cujo objetivo era demarcar, conjuntamente com o governo espanhol, as fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Madri (1750). O General Meira Mattos cita passagens das cartas a Mendonça Furtado (1755) nas quais o Marques de Pombal expõe seus objetivos:

Quero que o novo governo do Rio Negro, o qual agora bem vereis, deve ser promovido com o maior cuidado pela indispensável necessidade de se povoar essa fronteira ocidental e assegurarmos com ela a navegação do Rio Madeira para Mato Grosso, e passagem daquelas minas para Cuiabá, e ainda de mais escuso lembrar que muito se faz necessário separar os padres jesuítas (que já claramente estão fazendo essa guerra) da fronteira da Espanha, valendo-nos para isto de todos os possíveis pretextos, visto que com esta potência eclesiástica nos achamos em tão dura e custosa guerra, completar o aparelhamento defensivo do império na orla fronteiriça, iniciado em Mato Grosso e prosseguindo com o governo do São Pedro do Rio Grande do Sul. (MEIRA MATTOS, 1980, pp. 28)


A análise que o general Meira Mattos faz das cartas pombalinas permite avaliar a estratégia geopolítica de Portugal para a Amazônia, em meados do século XVIII. Os lusos planejavam:

- Ocupar, colocando nomes portugueses nos espaços amazônicos ao norte (capitania de Cabo Norte); noroeste e oeste (rio Negro, Branco e Solimões); sudoeste (rios Purus e Madeira);

- Instalar no rio Madeira um entreposto que assegurasse a mútua comunicação da região amazônica com Cuiabá, ponto extremo do sistema de comunicação com o sudoeste e o sul, São Paulo, Minas Gerais e São Pedro do Rio Grande.

- A articulação de todo espaço brasileiro, intercomunicando-lhe as três grandes bacias: amazônica, platina e francisquense.

Conflitos e fronteiras

A questão do Amapá soma-se aos esforços de incorporação do território amazônico ao Brasil; a querela tem início com a criação pela França, da Companhia do Cabo Norte, visando explorar as regiões do rio Amazonas e Orenoco, e fundada a cidade de Caiena (1633). Em represália, o rei da Espanha e Portugal cria a Capitania do Cabo Norte por meio da doação desta região á Bento Manoel Parente (1637) que construiu aí o Forte de Desterro (Almeirim), a fim de guardar os seus domínios. Os embates entre brasileiros e franceses, pela incorporação da região contestada se estenderam pelo século XVIII e XIX. Em 1836, o governador da Guiana Francesa, Laurens de Choisy comunicou ao presidente da Província do Pará, sua resolução em ocupar a região do Amapá até o rio Araguari. O governo brasileiro aliou a diplomacia e chegou a um acordo com o governo francês: uma comissão mista nomeada marcaria os limites. Assim, o território contestado ficaria neutralizado, governado por um estatuto especial, uma espécie de governo binacional, que asseguraria a convivência pacífica dos habitantes dessas nacionalidades.
A partir do ano de 1890, a alfândega de Caiena começou a ter importância da produção aurífera na região. Em 1884, essa alfândega chegou a registrar uma exportação de 4.835 quilos de ouro, da qual o vale do Calçoene, em território reconhecidamente brasileiro - concorreu com 2500 quilos. Quase todo o distrito aurífero encontrava-se na zona contestada, que abrangia a área de 260.000 Km², o direito territorial brasileiro a esta chamada zona contestada estava claramente reconhecido em pelo menos três importantes tratados firmados pelo governo de Paris: Utrecht (1713), Viena (1815), Paris (1817).
As disputas pela fixação das fronteiras do Oiapoque podem ser incluídas no quadro de um longo conflito, dividido em duas fases: a primeira começa com a determinação do rei da França, em 1610, para que Daniel de La Touche, “ocupasse as terras da América, a boca do rio Amazonas ate a ilha de Trinidad,” fato ao qual seguiram várias tentativas francesas de instalação no rio Amazonas, obrigando os portugueses a construir o Forte de Presépio e Gurupi; a segunda fase tem início no século XVIII, após a instalação dos franceses em Caiena. A partir dessa fase, a pretensão francesa era dominar a margem norte do rio Amazonas. Os conflitos na região somente terminaram após 1900, com a interferência do Barão do Rio Branco ao conseguir laudo favorável à tese brasileira.
Terminado o período colonial, o espaço político amazônico compreendia o Estado do Maranhão e Grão-Pará e 11 capitanias, entre elas; Maranhão, Pará, Cuma, Cabo Norte (Amapá), Caeté, Goiás, Mato Grosso, São José do rio Javari e São José do Rio Negro. A “Questão do Amapá” aproxima-se da “Questão do Acre”, pelo fato da primeira ser provocada pelo surto do ouro e, a segunda, pelo interesse internacional em relação à borracha, produto altamente valorizado. Essas questões foram solucionadas pelo Barão do Rio Branco. A seca de 1877 fez com que muitos nordestinos migrassem para a região da Amazônia, atraídos pela perspectiva de riqueza oferecida pela extração da borracha, assim ocuparam uma região (hoje estado do Acre) que naquela época, era área de fronteira com a Bolívia, ainda não demarcada e desocupada; estabeleceram-se, ali, aproximadamente trezentas mil pessoas. A Amazônia - graças à valorização da borracha, produto crítico para a nova indústria que se expandia nos países mais desenvolvidos - chegou a um elevado nível de desenvolvimento.
 O látex da região amazônica era o de melhor qualidade; a Amazônia, no final do século XIX, detinha produção da ordem de 65%, cujos principais mercados como Nova Iorque, Liverpool, Londres, Antuérpia, Hamburgo e Lisboa. Em 1900, a receita geral da borracha era de 7,22 milhões de libras esterlinas, representando 12,4% dos 33 milhões da receita geral de exportação do Brasil, superada apenas pelo café, com 57%. A Questão acreana foi desencadeada pela valorização das áreas fronteiriças não demarcadas e pela produção da borracha. Pelo Tratado de Ayacucho (1867) deveria ser traçada uma linha do rio Beni até a foz do rio Javari; mas, como ninguém sabia ao certo onde estavam as nascentes do rio Javari, a região continuava em litígio. Em 1894, foi firmado o protocolo Carlo de Carvalho Diez Medina que rezava o retorno dos trabalhos demarcatórios. Com a prosperidade ocasionada pela produção da borracha, que já em 1894 alcançava a cifra de cinco milhões de libras esterlinas, a região começou a despertar o interesse dos bolivianos; assim, começaram as gestões diplomáticas com vistas à incorporação do Acre pela Bolívia. O general Meira Mattos, escreve sobre o conflito entre os brasileiros e bolivianos, ocasionado, pelo fato dos bolivianos reivindicarem a área já habitada pelos brasileiros.

A população brasileira, que quase instalou nesses confins, até então completamente desabitados, criou uma importante fonte de riqueza, sem ser molestada por ninguém durante 20 anos; mas de repente, foi intimidada a aceitar um estranho poder político e fiscal, poder que jamais reconheceu como legitimo. Quando essa população sentiu que não contava com apoio do Governo Federal brasileiro, revoltou-se, proclamou no Acre um Estado independente e partiu para a luta armada. (MEIRA MATTOS, 1980, pp. 28)



Essa disputa diplomática só teve fim com a assinatura do tratado de Petrópolis (17-11-1903), pelo qual o Brasil incorpora 181.000 km² ao seu território, oferecendo em troca algumas compensações como o compromisso da construção de estradas de ferro (como a ferrovia Madeira-Mamoré), por meio da qual foi possível o escoamento da borracha boliviana pelo vale do Amazonas permitindo-lhe o acesso ao Oceano Atlântico com passagem por Mato Grosso e São Paulo, ligando a Bolívia ao porto de Santos. Segundo o general Meira Mattos, a Bolívia foi incapaz de assegurar o território contestado e na eminência da derrota pelos acreanos, acabou cedendo à oferta de compra pelo Brasil:

Na eminência de uma derrota os bolivianos chegaram a um acordo. A
Bolívia mostrou-se incapaz de ocupar a região que reivindicava não encontrou recursos para superar o fato consumado, da área já estar ocupada pacificamente e transformada em importante manancial econômico. Em uma última tentativa de incorporar o território, a Bolívia tomou a decisão de arrendar a região ao sindicato anglo-americano, o “Bolivian Syndicate” que se encarregaria de tomar conta, explorar e ocupar-se da sua segurança desta região. O mesmo sistema de “Chartered Company” do tipo que os europeus contratavam para explorar suas colônias na África. Aceitar como válido o contrato dos bolivianos, equivaleria a se conformar com a instalação, no centro da América do Sul, de um poder econômico internacional em área exclusivamente dependente do Brasil para a sua entrada e saída. Diante desta situação o chanceler Barão do Rio Branco iniciou a negociação para a compra do território em litígio (...) essa compra com pequenas compensações territoriais, destinadas a aliviar os brios bolivianos, seria a única solução viável, com isto a soberania sobre a região estaria garantida. Como conseqüência do ponto de vista geopolítico, harmonizam-se a geografia e a economia de uma região integrada. (MEIRA MATTOS, 1980, pp. 57-58).


1.1  Deslocamento da Fronteira Amazônica.

 Marechal Rondon.

Durante quarenta anos, o Marechal Cândido Rondon, dedicou-se ao trabalho de construir linhas telegráficas que tirou o Brasil do isolamento. Chefiou a comissão telegráfica encarregada de prolongar o terminal de Uberaba até Mato Grosso e Goiás. Em 1907, o presidente Afonso Pena nomeou Rondon para uma missão de estender linhas telegráficas de Mato Grosso ao Amazonas; o marechal, então, penetrou na Amazônia Ocidental e levou seus fios até Santo Antônio do rio Madeira, explorando e construindo um picadão de 40 metros de largura de 2.635 km. de extensão. (MEIRA MATTOS, 1980, pp.61, 62), integrando por meio das comunicações as populações residentes nessa região proporcionando, além da demarcação das fronteiras brasileiras, conhecimentos de Zoologia, Botânica, recursos naturais e o desenvolvimento de uma política indigenista. (BORMANN, 1997).
Destacamos, também, a contribuição dos agentes civis, militares e religiosos para a formação das fronteiras brasileiras na região amazônica. Arthur Cezar Ferreira Reis (1966, pp. 46), descrevendo o processo de conquista da Amazônia, atribui sua realização aos civis e militares, aos agentes religiosos, aos missionários, que penetraram a região amazônica, fazendo valer as decisões da Coroa ou da Santa Madre Igreja sobre a região. Os missionários que tomavam contato com os indígenas e usavam a catequese a não oferecer resistência à conquista operada pelos civis e militares. Reis é enfático em afirmar que não devemos atribuir aos exploradores estrangeiros dos séculos XIX e XX o descobrimento da Amazônia, mas aos sertanistas e missionários que, lentamente e silenciosamente, ultrapassavam a linha estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas nos séculos XVII e XVIII e tiveram seu esforço ignorado.

Diz ele:
Registramos o copioso noticiário de ordem geográfica que resultou da penetração, realizada pelos sertanistas e pelos missionários. Dissemos que tais sertanistas e religiosos realizavam descobrimentos. Quando não realizavam diretamente eram, porém, a pena que registrou a empresa nos detalhes e nas particularidades que o distinguiram. (MEIRA MATTOS, 1980, pp. 46).


No contexto do século XVII dois nomes são importantes, Bento da Fonseca e Manoel Ferreira. Bento da Fonseca era da milícia jesuítica; homem inteligente a quem acusou-se de terçar armas, na Amazônia e em Portugal, contra os faziam restrições ou acusações à Ordem de Santo Ignácio de Loyola. Manoel Ferreira, igualmente jesuíta, escreveu “Breve noticia do Rio Tapajós” – rio, cujas cabeceiras, foram descobertas no ano de 1742 por sertanejos ou mineiros de Mato Grosso, sertanejos como Cabo Leonardo de Oliveira, homem bem conhecido e dos mais experimentados nos Sertões de Minas. Os dois, Ferreira e Fonseca, eram missionários, catequizaram os índios e rumaram sertão adentro para localizar tribos, fundaram missões que se tornariam, mais adiante, pequenas vilas e, posteriormente, cidades. Os missionários eram divididos em diversas ordens religiosas: jesuítas, carmelitas, mercedários e religiosos de Santo Antônio. Os jesuítas trabalharam no rio Urubu, no rio Negro e, depois, no rio Madeira. Conseguiram reunir várias tribos na foz do rio Matura e no rio Uatumã, organizaram um núcleo que era formado por algumas casas de índios. Os carmelitas, em 1710, passaram para o rio Branco; em 1725, foram para o Solimões. Criaram quase todos os povoados do rio Negro. Nas cercanias de São José do Rio Negro, levantaram a capela de Nossa Senhora da Conceição. Os jesuítas, mercedários, e carmelitas estiveram nos rios Urubu, Amazonas, Solimões, Negro e afluentes. Criaram núcleos que deram origem às cidades de Itacoatiara, Borba, Barcelos, Coari, Tefé e São Paulo de Olivença. Outros movimentos estabeleceram os limites atuais da Amazônia Legal, dentre eles podemos mencionar as monções cuiabanas que adentravam as linhas fluviais até os afluentes do rio Cuiabá para chegar às minas de ouro, assentadas em seus afluentes.

Monções cuiabanas.

Dentro do processo de deslocamento da fronteira brasileira na Amazônia encontram-se as monções cuiabanas, tema discutível no movimento bandeirante, mas segundo Synésio Sampaio Góes (1991), diferentemente das bandeiras, as monções - fenômeno característico do século XVII – eram, exclusivamente, fluviais; seguiam roteiros fixos, passando por pontos conhecidos, as monções tinham um único objetivo chegar às minas de ouro dos rios Cuiabá e Guaporé. Existem pontos comuns entre as bandeiras e as monções; são, antes de tudo, movimentos de “expansão territorial”, mas, cada um com uma função diferente - as bandeiras levaram ao conhecimento da terra enquanto as monções garantiram seu povoamento. Na verdade, “a história das monções é um pouco o prolongamento da historia das bandeiras paulistas em sua expansão para o Brasil central”. Por meio das “monções” foi consolidada a posse das terras entre o planalto de Piratininga e os campos e florestas do extremo oeste que correspondem hoje aos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. A historia das “monções”, que durou quase cem anos, começou com o descobrimento de ouro em afluentes do rio Cuiabá, a cerca de 800 Km a oeste do meridiano de Tordesilhas, pela Bandeira de Pascoal Moreira Cabral, em 1718, no rio Caxipó Mirim. Quatro anos depois, Miguel Sutil descobriu, no local, que mais tarde seria fundada a cidade de Cuiabá, riquíssimos aluviões de ouro, certamente um dos aluviões mais fartos em ouro. Das “monções cuiabanas”, partimos para os tratados que definiram as fronteiras da Amazônia Legal com o Peru, Venezuela e Colômbia, fechando assim, todos os limites territoriais atuais do Brasil na região Pan-amazônica. (GÓES, 1991, pp. 85, 86)

Tratado de 1851 com o Peru.

Os brasileiros ligados às funções de padres missionários, soldados e colonos leigos, às vezes, droguistas do sertão, ou membros de tropas de resgate, foram ocupando pontos na margem norte do rio Solimões, inclusive nos trechos estabelecidos pelo Tratado de Madri e de Santo Ildefonso, A fundação, em 1776 do Forte de São Francisco Xavier de Itabatinga, em frente da boca do rio Javari, fixou a soberania lusa sobre aquela parte do Amazonas. O tratado de 1851 considerava o uso do princípio do Uti Possidetis para a demarcação dos limites entre Brasil e Peru, além disso, reconheceria como fronteira a povoação de Tabatinga e, daí para o norte, em linha reta até encontrar o rio Japurá, defronte da foz do rio Apapóris; e, de Tabatinga para o sul, o rio Javari, desde sua confluência com o Amazonas. Ao sul de Tabatinga, o tratado continuava com o limite natural do Javari, até a sua, então desconhecida, nascente. A grande novidade estava ao norte de Tabatinga, no estabelecimento da nova fronteira pela linha geodésica Tabatinga - Apapóris que faria passar à soberania brasileira o ângulo formado pelos rios Solimões e Japurá.



Tratado de 1852 com a Venezuela.

O estabelecimento dos limites do Brasil com a Colômbia e com a Venezuela começou a ganhar força quando as duas unidades integrantes da Grã – Colômbia foram  separaradas ficando indefinidos os limites entre os dois países na Amazônia. O Brasil tentou negociar tratados de limites, mas não obteve sucesso por não existir idéia clara das bases possíveis para uma negociação. Entre 1849 e 1853, Paulino José Soares de Souza, Visconde de Uruguai, conseguiu firmar, por intermédio de Duarte da Ponte Ribeiro, o acordo de fronteiras com o Peru, ficando estabelecida a linha de Tabatinga- Apapóris, traçada em uma região disputada pela Colômbia. Nos dois anos seguintes, conseguiram, também por intermédio do Uti Possidetis, finalizar acordos com a Venezuela, em 1852 e com a Colômbia, em 1853.
O acordo de 1859 com a Venezuela, chamado; “Tratado de Limites e Navegação Fluvial”, reconheceu as posses portuguesas no alto rio Negro. A divisa fixada começa a leste, em um ponto determinado no alto rio Negro (hoje tri-junção das fronteiras Brasil- Colômbia-Venezuela) e seguia por curtas e quebradas linhas geodésicas até a serra do Imeri (pico da Neblina); continuava pela crista desta e das serras Parima e Pacaraima até o Monte Roraima. O movimento de pessoas além dos limites de Tordesilhas foi decisivo na integração do território e razão maior do estabelecimento desses tratados. Quando outros países reivindicavam o território, esses tratados, em sua esmagadora maioria, lidavam com
questões muito intrincadas, nada fáceis de serem resolvidas, pois ali viviam famílias inteiras de brasileiros que, em muitos casos deixaram sua região de origem e migraram no afã de mudar sua sorte, fugindo da seca nordestina como no caso dos trabalhadores da borracha no Acre, ou procurando o ouro, como no caso do Amapá.
Esses trabalhadores deitaram suas raízes no lugar, modificaram sua paisagem e imprimiram ali suas marcas; assim ficava impossível serem removidos, até mesmo porque não hesitavam pegar em armas para defender o lugar. A incorporação de parte da região amazônica ao Brasil - desde a descoberta do rio Amazonas por Orellana e com o advento da união das coroas ibéricas (1580 a 1640) – possibilitada, estrategicamente, pela construção do Forte de Presépio (1616) representou o domínio da foz do rio Amazonas. A construção do Forte de São José do Rio Negro representou a consolidação do poder português na foz do Amazonas. A assim como respondeu as políticas pombalinas de incorporação do espaço amazônico ao Brasil por meio da criação de expedições de demarcação de fronteiras. Essa política visava ampliar as linhas fronteiriças estabelecidas pelo Tratado de Madri (1750).
Considerações finais

As questões do Amapá e Acre, os Tratados do Peru e Venezuela, as missões religiosas, as bandeiras, são marcos definidores do deslocamento das fronteiras brasileiras na Amazônia e nos permitem compreender a formação das fronteiras da Amazônia. Esse deslocamento foi resultado de esforços humanos, sobretudo dos civis que tiveram um papel fundamental. Certamente não foi resultado somente da construção de fortes e da presença militar, mas o elemento militar se somou aos homens e mulheres que foram conduzidos por suas missões religiosas, a luta pela sobrevivência e prosperidade. Para o resguardo das fronteiras brasileiras é necessário o desenvolvimento humano na região de fronteira. O povo da Amazônia brasileira é o fator decisivo na manutenção das fronteiras brasileiras. Quase sempre se fala em projetos de defesa e segurança para a região e muito pouco se fala sobre o combate a miséria e projetos de desenvolvimento do povo amazônico.
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Bibliografia



BARBOSA, José. Sistema de Proteção da Amazônia- SIPAM- Sistema de Vigilância da Amazônia-SIVAM. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra: Departamento de Estudos- Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.


BORMANN, Arno Renato. A defesa da Amazônia. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra: Departamento de Estudos 1997.


FUNDAÇÃO MILTON CAMPOS PARA PESQUISAS E ESTUDOS POLÍTICOS. A Nova Ordem Mundial, Soberanias Nacionais e Amazônia (Prêmio Senador Milton Campos). Brasília: 2002. pp. 245.



GOES, Sinésio Sampaio. Navegantes, Bandeirantes e Diplomatas. Aspectos da Descoberta do Continente, da penetração do território brasileiro extra-Tordesilhas e estabelecimento das fronteiras na Amazônia. Brasília: IPRI; 1991. (Coleção Relações Internacionais, 11)


MATTOS, Carlos de Meira. Uma geopolítica pan-amazônica, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exercito,1980 (coleção General Benício,v.181, publ. 501). p. 28.


REIS, Arthur Cezar Ferreira. A Amazônia e a integridade do Brasil. Manaus: Edições do Governo do Estado do Amazonas. 1966. (série Alberto Torres, vol. 04). p.46


RUMBELSPERGER, Antônio Carlos F. O Projeto Calha Norte e os países da área: políticas e estratégias para a atuação do Brasil in Revista da Escola Superior de Guerra; Edição monografias. Ano X, N°. 28. Rio de Janeiro, ESG, 1994.


TOCANTINS, Leandro. A Formação Histórica do Acre. Rio de Janeiro: Editora Conquista, 1961. (Coleção Temas brasileiros), primeiro volume. p. 40.







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