Breves comentários sobre o livro A Indústria de Defesa do Governo Lula.


Fragmento da Tese de Doutoramento de Samuel de Jesus: "Gigante Pela Própria Natureza": as raízes da projeção continental brasileira e seus paradoxos. (22.06.2012).




Neste importante livro o professor Renato Dagnino (2010) menciona uma rede de revitalização da Indústria de Defesa formada por atores militares e civis que surgira a partir de 2003 e atendia a uma antiga reivindicação dos militares. A organização de um ciclo de debates em Brasília (iniciado em 2003 e que se estendeu até 2003), em matéria de defesa e segurança seria o marco inicial do ressurgimento da indústria de material de defesa no Brasil. Os temas abordados no ciclo eram o re-aparelhamento das forças armadas e a revitalização da indústria de defesa. Foi consensual a ideia de que a revitalização dependeria de uma reorganização baseada em um novo contexto geopolítico. Essa rede de revitalização é formada por atores públicos (principalmente militares) e privados (empresários, pesquisadores e jornalistas.), que participam do jogo da revitalização da Indústria de Defesa. Um grupo de pressão que procura influenciar o processo de elaboração de políticas públicas. No caso, o setor de defesa. Essa rede de revitalização criou uma agenda particular cujo objetivo é fazer com que seja admitida na agenda política pública. (DAGNINO, 2010, pp. 36).

            Dagnino (2010) afirma que o empresariado da área de Indústria de Defesa (ID) não leva em consideração a relação entre uma racionalidade geopolítica e uma racionalidade macroeconômica.


Nesse sentido é necessário aclarar que o termo “macroeconômica” (...) deve ser empregado para fazer referência a decisões que devem ser tomadas e implementadas de acordo com critérios de racionalidade econômica e social. (...) devem ser de natureza pública, coletiva, atinente ao interesse nacional, social; e não apenas com a ID. No caso brasileiro, portanto parece legitimo argumentar que, ao lado da racionalidade geopolítica, os atores públicos e privados que participam desse processo decisório, que se dá inevitavelmente com forte intermediação do Estado, devem contemplar uma racionalidade econômico-social que beneficie, como a primeira, o conjunto da sociedade.  (DAGNINO, 2010, pp. 31).

            
            As repercussões da Estratégia Nacional de Defesa (2008), tem feito com que membros da rede de revitalização defendam a imediata reativação da Indústria de Defesa, sobretudo fomentando a sinergia entre o governo e o setor privado. Segundo Renato Dagnino (2010) qualquer empresa da Indústria de Defesa poderá obter recursos públicos vendendo ao governo ações especiais denominadas golden shares. Por exemplo, esse tipo de operação é utilizado quando uma empresa da indústria de defesa iniciar um novo projeto ou programa de grande porte ou quando ela se encontrar em dificuldades financeiras. Emitirá ou venderá ações que serão compradas pelo governo. Essa situação abre um precedente para que ao arcar com os custos de uma péssima gestão, o governo compre o que se chama no mercado financeiro de título podre. No caso seriam transferidos para o governo os títulos podres da Indústria de Defesa Brasileira. (DAGNINO, 2010, p. 222, 228)

            Segundo Dagnino:

... Parece que a disposição foi proposta para beneficiar direta e imediatamente uma empresa. Na realidade, a Avibrás, a única empresa grande e de alto conteúdo tecnológico dedicado a produção de MD (Material de Defesa), mais precisamente, de sistemas de armas que conta a ID (Indústria de Defesa). A única das que, junto com a Engesa, Embraer, formavam o núcleo duro da ID do “período áureo” e que sobreviveu sem alterar de modo importante a sua estrutura; como se sabe a Engesa faliu, e a Embraer depois de privatizada, mudou significativamente sua postura de desenvolvedora de tecnologia e seu comportamento em relação à área militar. (DAGNINO, 2010, p. 223).

            Para os militares, a indústria nacional deverá desenvolver tecnologia voltada para a finalidade bélica. Inclusive a compra de material bélico pelas forças armadas não seguirão os ritos normais, pois não mais precisarão da licitação que sempre representou transparência na administração pública. (DAGNINO, 2010).
 Pensamos a partir da obra do professor Dagnino que  a reativação da indústria de defesa brasileira se deve, em grande parte, à capacidade que possuem as forças armadas brasileiras de influenciar as decisões dos governos em assuntos de defesa e segurança, sobretudo de aliar os seus interesses aos interesses do empresariado e outros setores dominantes da sociedade. Isso faz lembrar o momento da criação do Sistema de Vigilância da Amazônia - SIVAM (1993) - que representou, naquele momento, a capacidade dos militares em lançar, aprovar um projeto bilionário e através dele reorientar parte de sua estratégia, além de oferecer oportunidade para empresários e proporcionar vantagens para alguns políticos.

* É doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade Ciências e Letras UNESP - Araraquara-SP e membro do núcleo de pesquisas sobre o Pacífico e a Amazônia -NPPA

Referência bibliográfica.


DAGNINO, Renato. A indústria de defesa no Governo Lula. São Paulo: Expressão popular, 2010.

             


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