LITERATURA: À Luta Companheiros!!!


Escrito por Samuel de Jesus em 2007

       
        No olho do furacão. Assim se sentia Raimundo, não entendia muito daquilo que se passava, mas era preciso fazer algo para mudar as coisas. De origem muito humilde, viera para São Paulo igual a muita gente, inclusive da mesma maneira que viera o cabeça de toda aquela paralisação, o LULA. Raimundinho era um daqueles tantos trabalhadores em concentração no estádio da Vila Euclides que cruzaram os braços e resolveram parar as máquinas. Solteiro, viera para São Paulo num lampejo, alguns homens conseguem enxergar o mundo à sua volta. Ali envelheceria muito cedo e teria a morte sempre por perto rondando à espreita. Lugar onde a vida é rala e por isso a morte está sempre presente. No sertão se concentra boa parte de sua clientela. Certa vez Raimundinho a conheceu de perto, tendo chegado a conversar com ela, mas não era sua hora.
              Quando achou que era o momento de ir embora, não teve dúvida, arrumou as trouxas e partiu deixando a mãezinha e os irmãos pequenos. Cada um traça seu destino na vida e o seu não seria o de jazer ali. Estava homem feito e pronto para ganhar o mundo, não poderia esperar mais. Com certeza sua hora de partir já tinha chegado há algum tempo e começava a passar.  Na vida cada um tem o seu destino desenhado pelas mãos de deus e sentia no coração que o dele não seria como o de seu pai, nem sua mãe.
             Seu pai viera para São Paulo, mas as coisas por aqui não deram muito certo para ele, Quando partiu era menininho e sentiu muito sua falta. A aventura dele durou apenas alguns meses. Ao contrário de boa parte dos nordestinos que ficam anos e anos sem ver a família, a saudade falou mais forte. Ele era um sertanejo de coração mole. Quando voltou trouxe na bagagem mil estórias sobre São Paulo. O menino gostava de ouvir as aventuras do pai na cidade grande. Ficava muito tempo a escutá-lo e o acompanhava onde fosse para ouvi-las. Dona Clarice, enciumada, reclamava. 

       - Esse daí agora só vive de rabicho com o pai.

       Seu José dizia que os prédios eram muito altos e para vê-los era preciso ficar olhando para cima, assim como se observa os carcarás, bem lá no alto do céu, mas que não se podia ficar admirando muito, pois senão logo perceberiam que se tratava de alguém do interior e isso facilitaria para os bandidos. A imagem da grande metrópole fixou na sua mente. Desde criança dizia que um dia iria para lá e as coisas dariam certo para ele.
     Quando partiu não tinha dinheiro, mas tinha idade suficiente e grandes esperanças. Durante a viagem dormia ao relento mesmo, seu teto eram as estrelas. Pode ver de perto o grande sertão. Ele era maior do que supunha. A Caatinga se impunha aos homens que ali brotavam ensinando cotidianamente que nascer é uma graça divina, mas que sobreviver é uma loteria da vida. Quem agradece é a velha morte que encontra alimento farto para sua fome de almas. Quem partia no pau de arara desafiaria o sol em brasa, a falta D’água e a fome certeira. A travessia do sertão era uma grande aventura num chão, por eles, nunca antes navegado. Sugando-os, tragando-os, consumindo suas forças. Dias que pareciam meses. 
Quando o Pau de Arara estava chegando na grande cidade, ansioso prestava atenção em cada detalhe. Chocou-se ao vê-la. A cidade exerceu sobre ele uma excitação, jamais tinha visto coisa igual. Parecia que todas as coisas estavam fora do lugar, povoadas de figuras que não poderia reconhecer, pois lá na terra não tinha nada parecido. 
       Podemos dizer que esse foi seu o primeiro olhar crítico sobre a grande metrópole, também ficou admirado com os carros, muitos de último tipo, chamavam-se CORCEL, BRASÍLIA E PASSAT, lindos de se ver! Fazia planos, pensou em apreender a dirigir e comprar um daqueles. Podemos dizer que esse é o primeiro grande desejo de consumo de Raimundo achava que poderia tudo, mas não demorou a se desiludir com as coisas e quando o caminhão chegou ao fim da viagem não sabia onde dormiria, mas estava feliz por ter chegado. 
         A primeira noite dormiu na casa de uns parentes de um pessoal que fizera amizade na longa viagem, no dia seguinte 5:30 estava em pé, agradeceu a acolhida e disse que tinha poucas horas para dar um rumo na vida. Precisava arrumar emprego aquele dia e se possível pedir para dormir na obra. Foi de obra em obra, mas não demorou a encontrar emprego. Disseram que poderia começar no dia seguinte, mas disse que estava pronto para começar naquela hora, pois além de tudo se não dormisse na obra, dormiria na rua. O gato de obra entendeu a situação, sendo ele também um retirante, assim concedeu também lugar de dormida.
          Raimundo escolheu um canto, mas não tinha colchão, mas operário que é solidário, pois sabe como é a grande travessia do norte para a grande cidade ficaram de arrumar para o dia seguinte. Naquele o colchão seria feito de alguns jornais e tava muito bom, mas alguém deixou uma rede e foi lá mesmo que Raimundo dormiu sua segunda noite. No dia seguinte foi dia de concreto, caçamba cheia para lá e para cá. Os dias foram passando e pensava já em emprego melhor, pois alguém lhe disse que metalúrgico ganhava mais.
           Raimundo não podia faltar da obra, nem queria ser injusto com quem lhe deu trabalho e acolhida, então resolveu arriscar dormir na rua tantos dias quanto fossem que ria mudar de vida. Conversou com o gato, agradeceu-lhe e foi para São Bernardo do Campo bater de porta em porta de fábrica pedir emprego, mas naquele dia não deu sorte, pensou em um modo de não dormir na rua. Havia alguns homens falando em cima de um caminhão através de objeto que aumentava a voz, mais tarde descobriria que se chamava megafone, no nordeste não tinha nada disso. Ficou ouvindo o que eles diziam. Falavam sobre greve que não sabia o que era. Então perguntou:

          - Por favor! Pode me dizer o que é greve?

           Então respondeu o sindicalista:

         - Greve companheiro, é quando os trabalhadores param de trabalhar até que o patrão aumente o salário.

           Raimundo pediu ao sindicalista encarecidamente.

           - Eu sou do nordeste e cheguei aqui em São Paulo faz pouco tempo, estava procurando emprego, mas não consegui, preciso de lugar para dormir essa noite.

            Então respondeu o sindicalista.

             - Companheiro você pode dormir lá em casa. Me procura depois daqui há pouco.

         - Raimundo perguntou qual era o nome daquele homem que o ajudara de forma imediata. E Respondeu.

              - Meu nome é Chicão. E o seu?

              - Meu nome é Raimundo.

              -Prazer Raimundo. Aguarde ali.

          Terminado o ato Chicão recolheu Raimundo. Levou-o para a sua casa. Tinha um quartinho nos fundos do lado de fora. Levaram um colchão e sua esposa arrumou tudo. Chicão e a mulher saíram trancaram a casa e só voltaram mais de meia-noite. Na manhã seguinte encontrou Chicão já de pé que lhe disse:

             - Companheiro, você é do norte e está tentando se ajeitar por aqui, pois fique aqui até arrumar trabalho e abrigo.


          Raimundo aceitou. Chicão era um militante do Sindicato dos metalúrgicos e estava empenhado na articulação da grande greve. Quase não parava em casa. Na casa de Chicão era ele e as filhas Ana Luisa e Marisa, seus 10 e 11 anos respectivamente, sua esposa Cidinha. Trabalhava desde moleque, parou de estudar casou muito cedo e o tempo que poderia estudar gastou para criar as filhas, logo em seguida o sindicato entrou na sua vida e aí não sobrou tempo para os estudos. Era muito respeitado e era uma grande liderança.  
          Como ainda não tinha arrumado emprego Raimundo queria ajuda-lo no trabalho do sindicato. Uma forma de pagar a casa e o abrigo. Todas as manhãs saiam juntos. Chicão rumo ao sindicato e Raimundo procurar emprego e a tarde ia ajudar Chicão.
            No sindicato Raimundo começou a ficar a par do que acontecia. Os trabalhadores eram explorados pelo dono da fábrica. Cansados de baixos salários que mal dava para a sobrevivência, os trabalhadores começavam a se organizar para uma grande paralisação para exigir melhores salários e condições de trabalho. Ele imaginava como é o mundo. Fugiu da seca, da fome e acabou encontrando-as também na grande cidade. Achava que os companheiros estavam certos. Ele, agora faria diferente, ficaria e lutaria.
             Raimundo nem teve a chance de arrumar emprego, pois em seguida estourou a greve, embora tenha começado a contratação com o objetivo de furar a greve, ele compreendeu rapidamente o que estava em jogo era maior que o seu emprego, mas pensava no que faria, pois nem lugar para morar ele tinha. Então foi franco com Chicão.

         - Companheiro tô precisando de emprego você sabe da minha situação, tô frequentando o sindicato e já sei o que está se passando. As fábricas estão contratando, mas sei que é para furar a greve... 

Chicão interrompeu.

         - Companheiro não podemos furar a greve, entendo a sua situação, mas fique em casa até tudo isso passar. Vai valer à pena

     - Se é assim então respondo repetindo o que ouvi da boca de outros À LUTA COMPANHEIROS.

        Nasci ali uma grande cumplicidade entre Raimundo e Chicão. Um conseguiu compreender a situação do outro. Uniram-se em um momento muito delicado para ambos. Era um tempo de violência, pois a polícia batia firme, mas o povo unido era um feixe de varas duro que unido era difícil de quebrar. Naquele tempo a repressão pensava que professor tinha que ensinar e trabalhador trabalhar. Greve era a inversão das coisas, mas e aquela gente toda ali passando fome. Para Raimundo não tinha muita diferença do sertão, pois fugiu da seca por uma vida melhor e encontrou ali a miséria e parece que essa sua companheira indesejável o perseguia onde fosse. Pensou então que seria melhor enfrentá-la.
         A cidade ainda o impressionava e era difícil de acostumar com ela. No final da madrugada podia sentir os primeiros sinais de movimento, passadas, sonâmbulos cruzavam as avenidas, lotavam o metrô, os primeiros sinais do despertar da cidade, o relógio ditando o ritmo. Contagem dos minutos, a massa se movimentava para todos os lados. Engarrafamento, veias entupidas como a pia, todos saíam com seus carros, sem rodízio e sem razão, Na longa marginal entre os carros corredores velozes motores disparavam fugindo da posição lenta ou estática que aumentam a temperatura da nervura e vontade de estar a quilômetros dali. Painéis e placas vendem o que dizem ser o melhor estilo, consumo, a babel. O rio exala seu odor de podridão.
               No céu a ave de metal brilha virando a direita ou a esquerda do espaço aéreo. Como ele se sustenta no ar? Quantas pessoas deverão estar resignadas a este latão alado cujas turbinas rugem? No chão, arteriais de ferro que se estendem por todo o corpo da cidade e que levam um fluxo de gente ao coração dela. Mulheres e homens vendem o que tem e o que não tem: sonhos, casas, carros, CD´S piratas, segurança, esperança, fé, amizade, sonrisal, dramas, chinelos, cocaína, comprimidos, as correntes e as algemas, a cultura e a ignorância, armas, o veneno, gasolina e cólera, alegria, a paz, o incenso e a massagem, a dor e o alívio.
China, Japão, Portugal, Itália e África, budistas, judeus, evangélicos, espíritas, islã e umbanda, no bairro da liberdade o Japão está aqui, assim como a Itália está no Brás, Bexiga e Barra Funda, a grande cidade acolhedora, o mundo está nela e ela no mundo como partes indissolúveis e complementares do universo. Artéria do mundo, organismo vivo, traços de inúmeras culturas, mistura fina, sintonia mundo, a face do mundo, a casa do norte, a casa do rock ritmo conturbado, o caos gera vida, o sangue jorra, sangue sugas, parasitas, lamina que corta carne profundamente, morre e renasce assustadoramente, veloz, atroz no mesmo dia, na mesma hora segue seu ciclo.
         Naqueles tempos começava a surgir a ideia da criação de um partido, mas como seria isso? Perguntava Raimundinho para Chicão. Era certamente uma ousadia naqueles tempos, pois as lutas eram muitas e tudo aquilo ganhou uma dimensão ainda maior na cabaça da companheirada. Era preciso dividir a terra, distribuir de forma justa a riqueza e tudo isso ainda com a Ditadura em nossos calcanhares.
           Tudo era muito precário, mas todos tinham uma grande esperança, muito embora fosse o tacape contra a bomba atômica em uma luta desleal, mas sabiam o argumento tinha a mesma força que uma arma letal. Naqueles tempos a companheirada era ousada e era preciso muita ousadia, mesmo! Muita petulância contra tudo e todos. Imaginem vocês havia uma forma de entender o mundo segundo os parâmetros já colocados e impostos a toda gente e impostos através de eliminação física. O fato é que manter o seu modo de pensar contra tudo e contra todos e conseguindo adeptos. 
           Era preciso acabar com as castas brasileiras em uma só tacada por meio de um partido, um partido dos trabalhadores.

              Chicão respondia a Raimundinho:

          - Isso mesmo companheiro Raimundo. A questão é que a luta é mais ampla que apenas a reivindicação salarial, o povo tem que tomar as rédeas do Brasil. Existe muitas coisas a serem feitas, por exemplo redistribuir a riqueza, fazer a Reforma Agrária e lutar por melhores condições de trabalho.

           - E a polícia e o governo vão deixar?

          - Estamos querendo democracia!

          - E o que é isso?

           - Democracia é um tipo de governo em que o povo manda.

            - Ah! É?!!

          - O governo e os patrões sempre exploraram o povo que sempre ficou quietinho, mas agora devemos lutar. Veja você por exemplo para ter melhores salários temos que manifestar, fazer greve, paralisar.

           - Pois é ! Ninguém dá nada de mão beijada não é?

         - Pois é Raimundinho você já entendeu. É um caminho de pedras, mas o partido está reunindo gente muito importante como artistas, intelectuais, sindicalistas, líderes comunitários e muita gente. 

            - Vamos disputar cargos também?

             - Claro! Vamos chegar no poder.

           Meses depois no congresso que fundaria o partido Raimundinho pode ver tanta gente do país inteiro, cada grupo se anunciava por meio de cartazes, por exemplo, Goiânia presente no primeiro Congresso do Partido dos trabalhadores, o mesmo fez tantos outros grupos vindos de Belo Horizonte, Aracajú, Manaus e tantas outras capitais e cidades brasileiras. Como tudo aquilo era grande. Estava ali no nascedouro do PT  estava sendo também um de seus fundadores.
         Chicão arrumou para Raimundinho um cargo de zelador do Diretório Municipal, pois existia uma edícula nos fundos e seria preciso alguém sempre ali, vinte quatro horas por dia.
Esse era um tempo de esperanças, um partido do povo. Tudo que estava vivenciando era uma escola para ele. Nesse tempo existia uma irmandade. Quando olhava para ao Lula sentia uma forte convicção, era um líder natural. Uma vez foram ali, no butequinho, tomar uma lapinha, aprendia com cada um que conhecia, o Olívio, o Jacob.
        Esse pessoal não tinha uma vida sossegada, corriam o tempo todo, quase sempre levavam a família junto, inclusive nos sábados e domingos e quanta gente não viajava de ônibus para organiza-se, reunirem-se, decidir. O partido era composto por famílias inteiras. Lula era  a figura de um anti-político tradicional, quase sempre estava usando camiseta do partido, boina com a estrelinha e a barba sempre comprida sempre por aparar. Tinha uma força nas palavras, embora tivesse limitações na dicção falava sério e jamais sorria, sem sorrisos fáceis, mas deixava claro que acreditava naquilo que falava.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

The political sins of Dilma.

Sobre o Acordo de Cooperação em Defesa entre Brasil e Estados Unidos.

O Campo #Cibernetico da Guerra e o Livro Branco de Defesa do Brasil