#Os Limites da Cidadania no Brasil
Para José Murilo de Carvalho, há uma ingenuidade no entusiasmo de que as instituições nacionais trarão a “felicidade” nacional, ou seja, o exercício da liberdade de pensamento e voto, não gera segurança e emprego, assim como os outros direitos do povo. Há uma lógica inversa no Brasil, os Direitos civis não garantem a vida em sociedade, os direitos políticos não garantem a participação no governo da sociedade e os direitos sociais não garantem a participação na riqueza coletiva.
Segundo José Murilo de Carvalho, a cidadania possui um sentido público, invoca a história, sobretudo à Revolução Francesa contra a exploração do povo pelo clero e pela nobreza e a defesa dos direitos à liberdade, igualdade e à fraternidade. Essa luta pelos direitos sempre ocorreu dentro das fronteiras geográficas e políticas do Estado Nação. Considerando que o termo cidadania possui uma natureza histórica específica e particular a cada país, podemos afirmar que no Brasil, o termo cidadania tem um sentido histórico totalmente adverso da cidadania francesa.
Quando falamos de um cidadão inglês, ou norte americano, e de um cidadão brasileiro não estamos falando exatamente a mesma coisa. (CARVALHO, p. 12)
O Brasil, após de mais de trezentos anos de colonização (1500 a 1822) possuía uma unidade territorial, linguística, cultural e religiosa, mas também uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora, latifundiária e um Estado absolutista. Desta forma não se poderia afirmar que os senhores eram cidadãos, pois faltava a eles o próprio sentido da cidadania, ou seja, o princípio da igualdade perante a lei. No Brasil Colônia eram as capitanias potentados que tomavam as funções do Estado português. O cartório era a igreja, era ali que se registravam nascimentos, casamentos e óbitos. Eram no período pós-independência a monarquia e os senhores de café e do cacau que possuíam o poder nos rincões do Brasil. Aplicavam a justiça como a extensão de seu poder pessoal.
O Domínio do patrimonialismo, uma forma de poder, um tipo de domínio institucionalizado se assentou no tradicionalismo. O patrimonialismo estatal incentivou o setor especulativo da economia sob o comando político, para satisfazer imperativos ditados pelo quadro administrativo, com seu componente civil e militar. Na transição entre o Estado Monárquico e Republicano, o indivíduo passou de súdito à cidadão, o Estado mudou de senhor para se tonar servidor, guardou a autonomia do homem livre, expressão da vontade geral institucionalizada. O Estado burguês de Direito, mas a realidade brasileira hoje é a persistência secular da estrutura patrimonial resistindo ao capitalismo.
Em seu estágio inicial, o patrimonialismo desfruta dos bens, das concessões, cargos e da confusão entre o público e o privado, mas com o aperfeiçoamento dessa estrutura, o patrimonialismo pessoal se converte em patrimonialismo estatal, assim adotou o mercantilismo como a técnica de operação da economia, ou seja, o um capitalismo politicamente orientado.
Enquanto o sistema feudal se separa do capitalismo, enrijecendo-se antes de partir-se, o patrimonialismo se molda as transições, às mudanças, em caráter flexivelmente estabilizador do modelo externo, concentrando no corpo estatal os mecanismos de intermediação, com suas manipulações financeiras, monopolistas de concessão pública de atividade de controle do crédito, de consumo, de produção privilegiada, numa gama que vai da gestão direta à regulamentação material da economia. ( FAORO, 2000, p. 367)
No estamento diretor o quadro de comando se centralizou, aspirou à coesão monolítica. O estamento não se converteu em um governo popular, no máximo poderia ajustar-se a autocracia com algumas técnicas democráticas. (P. 369)
O estamento burocrático comanda o ramo civil e militar da administração e, dessa base, com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica, política e financeira.
(P. 369)
A voz popular sempre esteve calada, foram poucos e breves os momentos em que ela surgiu sem o suporte de qualquer instituição como os partidos, A Revolta da Vacina pode ter sido um destes momentos, mas na verdade foram poucos. O que estamos observando recentemente não é qualquer coisa se considerarmos a sociedade estamental descrita por Faoro. Ela ainda possui raízes profundas no jeito de fazer política no Brasil. Podemos observar este fato na quantidade de ministérios do Governo Dilma que é obrigado a operar como um grande guarda chuva político para ter a sustentação política no Congresso Nacional. Esses compromissos mostra a nossa raíz clientelista, calcada ainda no compadrio e na cordialidade observada por Sérgio Buarque de Hollanda. Esse momento onde o povo não se comporta como um bestializado e reivindica seu papel de ator decisivo da esfera política no Brasil é significativo, afinal isto poderá representar a ruptura decisiva no modo de entender e fazer política no Brasil, o povo deixa de ser platéia e encarna o espirito público contra os monopólios seja da área de comunicação ou da administração. O povo poderá recuperar o seu significado estrito da palavra, sim, nós o povo!
BIBLIOGRAFIA
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2000.
CARVALHO. José Murilo de, Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.- São Paulo: Companhia das Letras, 2008
BENEVIDES, Maria Victoria de M. Guerra e Paz em Rousseau - Sobre o Projeto da Paz Perpétua Disponivel em: www.hottopos.com/harvard1/rousseau.htm extraído em 11/06/2013.
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. Tradução de Carmen C. Varriale et al., coordenação de tradução de João Ferreira e revisão geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1997.
HOBBES, Thomas. Leviatã. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974
LOCKE, J. Segundo Tratado sobre o governo. In: 3.ed. São. Paulo: Abril Cultural, 1983. Coleção Os Pensadores.
TOMAZI, N.D. (org). Iniciação à sociologia. São Paulo : Atual, 1993
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