#ESQUERDA VOLVER: sargentos contra o regime militar: origens, engajamentos e perseguições.


Movimento dos Sargentos, ocorrido nos quartéis no final da década de 1950 e início de 1960, teve o objetivo de modificar os estatutos militares, pretendiam politizar os militares, cunharam o termo; sargento também é povo fardado. Os estatutos militares faziam restrições aos graduados (subtenentes e sargentos), por exemplo, não podiam se casar antes de completar cinco anos de serviço, nem andar em trajes civis, e só podiam se profissionalizar depois de cinco anos. Os que já eram profissionais, muitos próximos dos 40 anos, não tinham os mesmos direitos que os jovens recém-saídos da Academia Militar. Em 1961 se engajaram na luta para garantir a posse do vice-presidente João Goulart. Os sargentos uniram-se aos soldados e cabos em uma perspectiva legalista, ou seja, a defesa da Constituição. (MACIEL, 2013).

Este artigo procura adicionar à historiografia sobre o Regime Militar (1964-1985) documentos resgatados pela Comissão Nacional da Verdade e divulgados ao grande público. Relatam as perseguições, prisões e torturas cometidas por policiais contra policiais, sobretudo aqueles considerados comunistas ou realmente filiados ao PCB. Os presentes relatos reforçam e ampliam o conhecimento sobre as arbitrariedades cometidas não mais contra militantes dos grupos civis armados, os guerrilheiros, mas contra seus companheiros de ofício. Arbitrariedades reveladas pela historiografia e que, agora adquirem ainda mais informações com os materiais divulgados pela Comissão da Verdade. O senso comum difunde a idéia de que “todos” os militares juntamente com os civis desfecharam o golpe contra a democracia em 01 de abril de 1964, porém a História dos Sargentos desmente esta afirmação.
Dividimos a analise dos relatos em três tópicos de interesse. O primeiro é sobre a origem dos sargentos. Estas informações são importantes para entender como se inicia a consciência política e engajamento político de alguns sargentos e posteriormente sua inserção nos círculos castrenses. Em segundo é o relato da atuação que o levou à prisão. Este fato revela os métodos utilizados pela repressão em relação aos seus companheiros considerados subversivos e terceiro o relato de perseguições, torturas e assassinatos cometidos nos porões da Ditadura que recebiam tanto civis quanto muitos militares de esquerda.


Origens


Começamos pelo relato de Vicente Sylvestre, ex-sargento da Guarda Civil de São Paulo. Cresceu em um bairro operário, o seu pai era operário ligado ao Partido Comunista. Conta que após a Segunda Guerra Mundial, tinha 15 ou 16 anos e no momento da legalização do Partido Comunista do Brasil – PCB – foi uma festa muito grande no bairro porque trabalhadores, operários que a gente conhecia, chefes de família, homens exemplares e se revelam, então, integrantes do Partido. Tinha um entusiasmo juvenil pelo PCB, revela: Aquilo foi um entusiasmo muito grande, a gente vinha falar queria saber tudo sobre o partido. Então, eu me entusiasmo e... muito embora negue envolvimento com o partido, segue: Mas não me envolvo com nenhuma organização, fiquei só na... Recebendo notícias, tal, mas sem participação na vida do Partido. (SYLVESTRE, 2013).
O sargento José de Menezes Cabral conta sua origem humilde no distrito de Ibaretama, município de Quixadá, estado do Ceará, hoje é município Ibaretama, trabalhou até dezessete anos no meio rural, depois serviu o Tiro de Guerra. Na sequência foi trabalhar de balconista na construção do Açude Rosado Lisboa, o Banabuiú. Veio para São Paulo a partir de uma promessa de emprego na Fundação Ford, proposta que nunca se concretizou. (CABRAL, 2013)

...fui indicado pelo filho do Prefeito para trabalhar na Fundação Ford em São Paulo, eles foram colegas, esse rapaz se chama Josafá, eles foram colegas na Alemanha, estudaram na Alemanha e me indicou para trabalho na Fundação Ford. E esse rapaz se chamava Norberto de Souza Norberg e ele me garantiu que arranjava uma vaga na Fundação Ford no Ipiranga. Eu vim, mas só que ele estava viajando e eu passei três meses e não encontrei o cidadão, e fiquei desempregado e sem dinheiro. Mas de qualquer maneira trabalhei como Balconista, trabalhei na Goodyear como Auxiliar de Tecelão, trabalhei na Rhodia como... Na fábrica de encerados. (CABRAL, 2013)


Engajamentos

O ex - sargento Sylvestre revela que seu engajamento político ocorreu na Campanha do Petróleo, diz: Aí vem a luta pelo petróleo, que entusiasmou muito mais, então essa luta, a gente procurou se engajar da melhor forma possível. Com 18 anos ingressou na Guarda Civil de São Paulo e afirma que se integrou a organização do PCB dentro da corporação da Guarda Civil de São Paulo. Afirma: Mas o Partido acaba se organizando dentro da corporação e como... Uma única tarefa, a principal tarefa era liderar os membros da Corporação sem se falar ostensivamente em Partido, não é? O sargento Sylvestre constata: Então eu passo a ser um elemento pertencente à célula do Partido Comunista que existia dentro da Guarda Civil. Revela que se tornou um líder na corporação... nós então vamos ganhando muita liderança, inclusive criamos até uma entidade de caráter nacional que se chamava Conselho Nacional das Forças Civis do Brasil e eu fui o presidente, nessa altura eu já 52 fui eleito presidente. (SYLVESTRE, 2013)
O envolvimento do ex - sargento Francisco José da Paz com grupos de resistência à Ditadura começou quando ingressou no curso de Ciências Econômicas e não demorou muito para começar sua atuação na UNE, inicialmente como colaborador. Comenta: participei da coligação do congresso da UNE que houve no campo da USP depois da queda de Ibiúna, na época eu era segundo Sargento. Em seguida admite que desde os anos de 62 e 63 participava ativamente do movimento dos praças... por direitos civis, direitos políticos, direitos sociais, como voto pra praças, voto para soldado, voto, direito de voto para Sargentos e a democratização da carreira na corporação, a desmilitarização, a questão de direitos humanos. Francisco da Paz comentou que ingressou na Força Pública em 06 de agosto de 1962. A patente de sargento foi conseguida na de soldado no regimento cavalaria. Trabalhou no choque, na ROTA foram cinco anos. (PAZ, 2013)
O ex - sargento José de Menezes Cabral afirma que até mesmo antes do golpe participava dos movimentos, lutas e idéias do Governo Goulart como, por exemplo; a reforma do ensino, reforma agrária, inclusive tinha muitos contatos com as ligas camponesas. No Centro Social dos Sargentos tinha inclusive palestras com pessoas de esquerda falando sobre vários temas como reforma agrária.
Em seguida descreve suas relações com o Partido Comunista do Brasil, segue:

Eu gostaria de dizer que seria membro estruturado do Partidão, do Partido Comunista, mas nós tivemos algumas coisas meio estranhas, que a 138 gente não entendia bem. O pessoal às vezes não confiava muito na gente, porque nós éramos pouco liberais, eles queriam... Nós éramos meio livres na coisa. Então esta razão foi que nos dificultou ter acesso à cúpula do Partidão, mas sempre ligados com os 141 companheiros. Por exemplo: a minha mulher tinha parente que era ligado ao Prestes, na minha casa eu dei refúgio a uns três parentes dela, que foram capturados junto com o Gregório Bezerra.


Lembra que em 1964 estava no Estado Maior da PM, trabalhava na 1º 174 Seção do Estado Maior, segue:


 Naquela época eu era... Aliás, no dia do golpe eu estava ouvindo pessoas 178 que se envolveram em compra de diplomas para a Escola de Oficiais, para a Escola de Sargentos, concurso para Sargentos. Eu era escrivão de um IPM, onde uma corrupção violenta aconteceu na venda de gabaritos, para o próprio concurso para Oficiais, para Sargento, e na época para Sargento era feito o curso e outros eram concursados. E naquela... Uma certa noite lá, eu não me recordo, acho que foi no dia... Há uns três dias 183 que precedeu o golpe, eu estava com o Major Hélio, que é o Chefe do IPM, ouvindo 184 uma das pessoas que comprou a prova. Quando chegou o General Franco Bosco, 185 Comandante da Força Pública, o General Amaury Kruel, o Governador Ademar de Barros, o Coronel Delfim Cerqueira Neves, Chefe da Casa Militar, e entraram para uma 187 sessão no fundo da 3ª Seção do Estado Maior. E passaram... Chegaram mais ou menos 188 1h da madrugada e ficaram até 5h da manhã, discutiram fortemente onde Ademar de Barros falou vários palavrões para o General Kruel, e infelizmente nós não gravamos. E depois o Ademar de Barros saiu daquele momento, daquela sala, e foi direto para 191 Cochabamba na Bolívia.


RELATO

Tortura

,Vicente Sylvestre: Então três meses de torturas, as mais absurdas do 121 mundo. Como é que um ser humano pode fazer isso com uma pessoa indefesa? Não é? 122 Mas não tinha apelação, era.... E o que eles queriam de mim? Como eu era um tenente- 123 coronel da ativa e que estava fazendo o Curso Superior de Polícia e que eles tiveram 124 acesso ao material que a gente produziu durante o curso, então eles mostraram que eu 125 tinha um outro nível para estar só naquela coisa, achavam que eu tinha ligações 126 exteriores e tal, aí pancadaria até sair... E aí acharam que tinha um general ligado 127 comigo e eu falei: “eu não conheço nenhum general, não tenho nenhuma ligação com 128 ninguém do Exército, das Forças Armadas, não conheço ninguém”. Aí fui até setembro. 129 Encontrei... Poucas vezes encontrava, me encontrava com os companheiros presos. 130 Havia uma preocupação de me manterem sempre isolado, sempre eu estava isolado, 131 porque eles achavam que eu tinha mais informação que os outros. Aí eu volto, em 132 setembro eu volto para o Quartel General da Polícia Militar por responde a uma 133 chamado Proce... A um processo que chama “Conselho de Justificação”. O Conselho de 134 Justificação tem esse nome no meio militar, mas no meio jurídico ele não passa... Não 135 vai além de um Processo Administrativo, não é? Então nesse processo, que durou desse 136 primeiro dia que me ouviram até o final, durou 48 horas. Em 48 horas, eles concluíram 137 o processo, não deixaram o advogado entrar, foi proibida a entrada do advogado, o 138 advogado foi denunciar lá na Justiça Militar, mas isso fazia parte dos, do sistema, né? 139 Então, no dia 2 de outubro publica a minha expulsão da Polícia Militar. Aí continuo 140 preso, mas já não mais na condição de tenente coronel. Aí, graças à intervenção de Dom 141 Paulo Evaristo Arns, o governador Paulo Egídio Martins, atendendo ao apelo do Dom 142 Paulo Evaristo Arns, manda para a Assembleia Legislativa um projeto de lei dando uma 143 pensão para a minha mulher e para as demais, né? Que estavam no... Os que eram da 144 ativa, uma pensão e eu fiquei, fiquei na condição de... Não podia exercer nenhuma 145 atividade econômica, pública ou privada. Durante nove anos, a minha mulher figurava 146 como... Como viúva de marido vivo e eu como morto vivo. Não podia exercer nenhuma 147 atividade. Aí entra... Nessa altura já entra um novo (ininteligível) porque o meu 148 primeiro advogado foi o Professor... Foi o Sobral Pinto. Depois o Sobral Pinto deixa, ele 149 estava no Rio, ficava muito difícil para ele vir em todas as audiências em São Paulo, aí 150 ele (ininteligível) o meu advogado passa a ser Luiz Eduardo Greenhalgh. Aí o Luiz 151 Eduardo Greenhalgh acompanha até o desfecho final. Nesse meio de tempo, quando eu 152 já estava na Polícia Militar de volta, chega a notícia que o tenente José Pereira de 153 Almeida havia se suicidado dentro do DOI-CODI. Aquilo foi uma coisa, um choque 154 tremendo porque não havia condições de alguém se suicidar dentro do DOI-CODI, era 155 humanamente impossível, não tinha instrumento, não tinha elementos para isso. Aí deu 156 que ele se suicidou. Mais tarde ficamos sabendo que ele foi... Ele foi vítima de torturas 157 dentro do DOI-CODI e introduziram no ânus dele um cabo de vassoura com uma... 158 Quebrado na ponta e perfuraram todo o intestino dele, quer dizer, ele morre sem o corpo 159 deixar nenhum vestígio, nenhum hematoma, nada.


Vicente Sylvestre: E eu acreditava piamente no 253 socialismo, tanto é que eu estava sendo torturado dentro do DOI-CODI e me deram um 254 questionário para responder de próprio punho. Entre as perguntas, estava se o 255 socialismo... Se eu achava que o socialismo resolvia o problema do Brasil e eu respondi: 256 não só do Brasil, mas como de todos os povos oprimidos do mundo. Nossa Senhora! 


Vicente Sylvestre: Aí foi... Isso é... Teve até um jornalista que já viu esse documento, 259 que está lá em Brasília, acho que está no Arquivo Nacional (ininteligível) responder e 260 também o que que você queria? Depois de falar isso você queria agrado? Bom, mas eu... 261 Eu achava que tinha que ser coerente porque, na verdade, eu tinha uma... Uma sólida 262 formação ideológica, eu acreditava mesmo, acreditava. Hoje, o socialismo... Marx, O 263 Capital está aí, não é uma peça de museu, O Capital não é uma peça de museu, tem 264 muita gente estudando ainda O Capital, o socialismo também é fruto de um desmando 265 do ser humano, mas politicamente correto, eu entendo assim, politicamente correto, e 266 agora o que resta é aguardar que dentro do capitalismo, dentro... As classes oprimidas 267 possam encontrar alguma saída. Porque dentro do capitalismo, desde que o capitalismo 268 esteja dentro dessa pseudodemocracia, porque não temos democracia, tem até um ponto, 269 depois daqui não é mais demo... Vale até aqui, daqui para lá já não vale mais. Essa é a 270 minha história.








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