Brasil e a Integração Amazônica: sob a égide das confianças.

Samuel de Jesus*

Os civis possuem uma visão militar sobre a problemática amazônica. Essa visão, baseada em concepções de segurança e desenvolvimento, não dá conta dos problemas apresentados como o fim do desmatamento associado à pobreza da população amazônica, além de ser uma visão limitada e geradora de dificuldades. É preciso formular uma visão civil sobre a Amazônia, sobretudo torna-se necessário desvencilharmo-nos de concepções autoritárias de defesa da floresta combinadas ao assistencialismo militar, precisamos descriminalizar as ONGs e movimentos indígenas, pois eles fazem parte de um imenso movimento civil em defesa da floresta e ampliar a participação de institutos, universidades e de movimentos sociais em sua luta pelo acesso a terra. A criminalização de tais movimentos sedimenta ainda mais o viés autoritário com que é considerada tal problemática. Esse viés autoritário poderá semear desconfianças dos outros sete países amazônicos quanto às intenções do Brasil na região que possam ameaçar suas respectivas soberanias. Essas desconfianças podem dificultar uma ação intergovernamental para o enfrentamento dos desafios que a região apresenta.

O Tratado de Cooperação Amazônica constitui importante fórum de discussões e solução de problemas, assim como a formulação de políticas conjuntas que pudessem fomentar o desenvolvimento Sul - Americano. As teses sobre a Amazônia, produzidas no Brasil, parecem não considerar a Amazônia como uma grande área de floresta pertencente a outros sete países do hemisfério sul. No Brasil, pela maneira como todos se reportam a Amazônia, tem-se a falsa impressão de que se trata de uma região unicamente brasileira. Isto não é uma coisa à toa, sem importância, mas reflete o pensamento do brasileiro sobre a Amazônia.

O Pacto amazônico Passou a existir durante o Regime Militar Brasileiro, mais precisamente na década de 70. Representava naquele momento uma recondução da política externa brasileira devido a fatores internos como a pobreza, a fome, a falência do sistema público e a dependência do sistema econômico internacional, além disso, a reduzida capacidade militar que impunha limite à ação militar direta das forças armadas brasileiras na América do Sul. Dessa forma a via da cooperação e da solução pacífica de conflitos era uma alternativa viável. Reunir os países amazônicos sobre a liderança “natural” do Brasil. Essa seria uma via para a construção da hegemonia Brasileira frente a seus vizinhos.

Antes do TCA, o governo militar já havia desenvolvido o Projeto RADAM (RADar da AMazônia), instalado em 1970 com o objetivo de realizar um levantamento dos recursos naturais de uma área de 1.500.000 km², entre as faixas da rodovia Transamazônica. Na década de 80, os militares desenvolveram o que ficou conhecido como Projeto Calha Norte (PCN) - abreviação de Desenvolvimento e Segurança da Região ao Norte das Calhas dos rios Solimões e Amazonas – o objetivo do PCN, segundo os militares, era dotar a região, compreendida entre a linha do rio Solimões e Amazonas e o traçado de fronteira entre o Oiapoque-AP e Tabatinga-AM, de uma infra-estrutura em transporte aéreo e terrestre complementar aos trechos fluviais, levando assistência em saúde e tornando presente o poder público na região.

Nos anos 90 é articulado e implantado o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) composto por uma estrutura de coordenação, integração de informações e ações entre as diversas instituições encarregadas das políticas para a Amazônia brasileira. O SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia) é o seu braço operacional. Esse sistema viabilizaria e operacionalizaria informações que seriam repassadas para Brasília e dali para os ministérios, secretarias; estados e municípios. Recentemente, esforços dos governos brasileiros e peruano de estabelecer e compartilhar o sinal do SIVAM, gerados a partir de unidades de vigilância fixadas em áreas de fronteira ou próximas como Tabatinga no Brasil (cidade próxima a fronteira com Perú e Colômbia), é um passo importante na construção de confianças entre nossos vizinhos. O radar do SIVAM instalado em área de fronteira (como é o caso de Tabatinga-AM) captando informações em 360°, inevitavelmente violaria a soberania de Peru e Colômbia. Uma ação bilateral entre Peru e Brasil já está ocorrendo. Esse gesto demonstra a capacidade de entendimento e maturidade entre os dois países.

Hoje, oficialmente “removido” o entulho autoritário, passado mais de 20 anos do fenômeno político das ditaduras militares na América do Sul, o TCA deveria ser realmente o instrumento de integração. As afirmações sobre a importância do TCA para a integração Sul-Americana são baseadas nas teses de Enrique Amayo Zevallos que afirma ser a região amazônica uma área compartilhada. Entende que o rio Amazonas é um rio multinacional pelo fato de sua foz não estar localizada no Brasil. É preciso lembrar que antes de chegar ao Brasil o rio tem outros nomes, Uicaialy e Maranõn e que somente no Brasil é chamado rio Amazonas.

É necessária a percepção de que qualquer coisa que o Peru fizer em sua parte no rio Amazonas afetará o Brasil, pois o rio nasce lá e não aqui. Nesse sentido sua administração deveria ser integrada e sustentável. Isto pressupõe decisões multilaterais entre os países amazônicos. Toda política para Amazônia seria resultado de um consenso entre esses países. A visão que deveria prevalecer é a de nossa América, uma região com problemas comuns e cuja solução depende de uma ação governamental compartilhada. Hoje, a visão da defesa, segurança e desenvolvimento incorporada pelo povo brasileiro e que se origina dos círculos militares não ajuda, apenas gera desconfianças em um momento em que é necessário construir confianças.



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