#Caparaó: a gênese da guerrilha no Brasil.
Escrito por Samuel de Jesus: 15.06.2014
Introdução
Introdução
A decisão da direção do Partido Comunista
Brasileiro pela via armada teve seus próceres ou uma primeira grande
experiência em Caparaó no ano de 1966, na divisa entre Minas Gerais e Espírito
Santo. Sucederam-na guerrilhas do Vale do Ribeira-SP, liderada por Carlos
Lamarca e a guerrilha icônica de Araguaia-PA ou até mesmo a guerrilha urbana de
Carlos Marighela, inimigo número um da Ditadura. Em tempos de Comissão da
Verdade algumas certezas, muito embora o movimento guerrilheiro tenha sofrido
uma derrota militar, obteve vitória política, afinal, pesam sobre a Nova
República os corpos insepultos e perguntas perturbadoras. Sobretudo, as Forças
Armadas Brasileiras ainda são vistas com grandes desconfianças por amplos
setores da sociedade civil, principalmente o setor jornalístico.
Em
2014 as investigações da Comissão da Verdade confirmam que o ex-deputado Rubens
Paiva, assim como Edgar Stuart Angel (filho da estilista Zuzu Angel) foram
mortos em instalações militares, porém a instituição militar ainda recusa
admitir as violações aos Direitos Humanos cometidos em suas dependências. Alguns
setores militares argumentam que as ações contra a guerrilha corresponderam a uma
guerra interna, portanto as ações que praticaram foram legitimas, pois
combatiam inimigos internos da pátria. O fato é que o trauma gerado pela
tortura proveniente das perseguições, prisões e aniquilamento dos insurgentes
causam ainda grandes oposições à instituição militar.
Este artigo é mais uma resenha
extemporânea de uma série de reportagens sobre a guerrilha do Caparaó
publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo em 1980 e que estavam dentre
algumas pastas da emeroteca da Biblioteca de Sorocaba – SP. Em 1980 sob o
título Caparaó, 13 anos depois. A série
de reportagens investigativas de Gilson Rebello ao jornal “O Estado de S.
Paulo” exigiu que fossem percorridos quase dois mil quilômetros de carro e mais
de trinta quilômetros a pé ou em lombo de cavalo na procura subsídios e
informações sobre a presença dos guerrilheiros e soldados na região. Várias
cidades foram visitadas como Guaçuí, Espera Feliz, Manhuaçu, Manhu-Mirim,
Caparaó Novo e Velho, Presidente Soares, Carangola, Dores do Rio Preto,
Paraíso, Santa Maria, Forquilha do Rio, Pedra Menina.
Em
breve introdução o jornalista escreve sua reportagem de uma forma romântica,
lendária e episódica. Um indicativo é a escolha do título da reportagem: A Guerrilha do Caparaó: uma versão mineira
de Sierra Maestra. Outro é a escolha da narrativa que conduz a um heroísmo
ou quixotismo presente na guerrilha
do Caparaó em alguns momentos tal como aquele em que afirma: com um antigo binóculo de campanha e sem
coturnos, mapas, armas e fardas militares, o ex-guerrilheiro, Amadeu de Almeida
Rocha, de 40 anos, vai começar mais uma vez a “Guerrilha do Caparaó” na divisa
com Minas e o Espírito Santo (RABELLO, p. 16, 17), ou seja, quando destaca a ausência de coturnos, mapas e armas (no
momento em que Amadeu Rocha
retomou a guerrilha) está conferindo uma imagem heróica ao guerrilheiro Amadeu.
Ainda sobre a reportagem em questão,
sobretudo, em relação ao título, ou seja, a versão
mineira de Sierra Maestra. Rabelo (1980) destaca o Diário de Campanha da
Guerrilha do Caparaó onde é revelada a suspeita da presença ali de Ernesto
“Che” Guevara, o que faria com que essa guerrilha assumisse aspectos “mitológicos”
(RABELLO, 1980, p. 16, 17). Em seguida faz uma chamada para a série de
reportagens semanal sobre a Guerrilha do Caparaó: Durante uma semana, todo o roteiro da guerrilha, as marchas pelo mato,
as rotas de fuga, os acampamentos, a estrutura do movimento, as prisões, o
cerco militar, o fim da ação armada...
O início
A Guerrilha do Caparaó é considerada a
primeira guerrilha visando à derrubada do regime militar, no caso, o Governo
Castelo Branco (1964-1967) (RABELO, 09/02/1980, p. 10). Na região chamada Tronqueira, a 2.300 metros de
altitude, quase na divisa entre Espírito Santo e Minas Gerais, pode ser
encontrada uma casa de pedra. Amadeu Rocha afirma que foi realizada ali a
primeira reunião do “MNR”. Essa casa de pedra situa-se na subida do Pico da
Bandeira. (RABELO, 07/02/1980, p. 22). No dia 06 de novembro de 1966, 14 homens
armados fizeram uma reunião no alto da Serra do Caparaó, definidos como
revolucionários marxistas-leninistas. Suas marchas e manobras se estenderam por
150 dias e ocupou diversos acampamentos como os de “Macuco”, “Escada”, “Tatu” e
“Cristal”. Suas doações vieram do exterior e de simpatizantes, assim compraram
armas e mantimentos. Quando o grupo foi preso, seus captores encontraram uma
metralhadora 45 de uso exclusivo das Forças Armadas, uma espingarda Winchester
44, uma carabina alemã, um revolver 45, um punhal, dois binóculos, quatro
bussolas e material para a fabricação de explosivo.
O documento escrito sobre a
Guerrilha do Caparaó é o Diário de
Campanha de Amaranto. Diário escrito pelo guerrilheiro Amaranto Jorge
Moreira Rodrigues e abrange o período entre 26 de novembro de 1966 a 18 de janeiro de
1967, dois meses antes da prisão do grupo. Inicialmente Amaranto escreve sobre
as razões que os conduziram a via armada a qual chama de violência revolucionária:
Todos os caminhos que possuíam um
mínimo de possibilidade de probabilidade de conduzir a Nação Brasileira á sua
almejada liberdade foram destruídos pela ditadura, restando apenas responder
com violência revolucionária à violência reacionária. (AMARANTO, 1980).
Na sequência Amaranto relata os
pseudônimos de seus companheiros e destaca a origem militar deles, assim como a
liderança do guerrilheiro de codinome Alexandre.
Objetivando iniciar de imediato o
processo armado da RB, um grupo de 14 homens (Alexandre, Cláudio, Alencar,
Márcio, Marcelo, João, André, Pedro, Nemésio, Sérgio, Januário, Lino, Roberto e
Henrique, este último ausente por estar cumprindo tarefa na cidade). Esta
reunião, cujos componentes são ex-militares, em sua maioria e civis, todos
revolucionários e marxistas leninistas, foi iniciada e dirigida a partir das 20
horas pelo companheiro Alexandre que já desde algum tempo vinha liderando a
maioria destes homens em sua luta antiditatorial e consequentemente preparo
deste núcleo guerrilheiro. (AMARANTO, 1980).
O documento revela aspectos da
organização, por exemplo, os que chegavam para engrossar o contingente
guerrilheiro recebiam o que chamaríamos hoje vulgarmente de “kit” que consistia
em:
...uma mochila, um toldo de “nylon”,
uma rede de “nylon”, um cobertor, um macacão de lã, um gorro, um par de
coturnos, um par de luvas, um abrigo de “nylon”, um conjunto de calça, lusa e
meia, um cinto-cartucheira de “nylon” um cinto de lona, uma marmita, um jogo de
talheres, um par de tênis. (AMARANTO, 1980).
Essas informações descritas no Diário de Amaranto nos permitem pensar
sobre o nível de organização, assim como o provimento de recursos destinados
aos equipamentos e acessórios necessários para a organização da guerrilha. O
diário relata ainda o processo de adaptação dos guerrilheiros à vida no campo:
Material coletivo: Acostumados como
estávamos com a vida na cidade, ainda que clandestina nestes dois últimos anos,
é difícil adaptarmos á vida no campo. As condições do terreno, o clima frio e
úmido, a ausência de conforto proporcionado por uma casa, mesmo humilde,
contrasta violentamente com o que estávamos acostumados. Despendemos esforços
no sentido de superarmos estes obstáculos e, tendo-se em consideração as
lacunas abertas por estes fatos, pode-se dizer o moral bom da tropa. Ainda que
muitos companheiros queixem-se de não saberem dormir nas redes, reclamam do
frio (estamos na primavera e a temperatura a noite desce com frequência a 17
graus), escorreguem nas pedras do “Rio das Cabras” (tão contrastante com as
belas calçadas da cidade em que vivíamos), sintam pesados os coturnos e chorem
com a fumaça do fogão de lenha improvisado, nada disso impede de que a
camaradagem mútua, o bom humor e a disposição de luta nos distancie, o que
pressagia para o futuro bem próximo um grupo excelente e uno. (AMARANTO, 1980).
Localização
Na área de divisa entre Minas Gerais e o
Espírito Santo, em uma faixa de 1.300 metros de altitude com 77 quilômetros de
extensão foi considerada ideal para o treinamento da guerrilha. O Comando foi
entregue ao ex-sargento Amadeu Felipe da Luz Ferreira. Esse é a ponta de lança
para a estruturação do movimento cabendo ao professor Boiteaux e a Amadeu Rocha
integrarem o comando nacional. Considerando necessária a elaboração de um jornal
criaram O Levante, primeiro jornal
clandestino da luta armada no Brasil. Esse jornal teve somente uma primeira
edição e um primeiro número, seu editorialista foi o escritor Otto Maria
Carpeaux. (RABELO, P. 12, 1980).
O
Povo de Caparaó e a guerrilha
A reportagem do jornal O Estado de S.
Paulo do dia 07.02.1980 expressa o título: A
vida com medo de tudo e de todos é iniciada com a reportagem do Jornal da
Tarde de 1967.
Algumas famílias de fazendeiros, que
vivem perto da cidade de Caparaó Velho, na zona onde foram presos
guerrilheiros, começaram ontem a abandonar suas casas: está correndo um boato
de que a região seria bombardeada (Jornal da Tarde 11/04/67).
Os jornais da época evidenciam o medo
vivido pela população local e não era para menos, afinal muitos deles, apesar
de inocentes foram presos e outros torturados. A esse respeito o coronel Ralph
Grünewald Filho, afirma:
Precisamos fazer uma operação pente
fino no local, pois não podíamos correr o risco de deixar guerrilheiro livre.
(RABELLO, 1980, p. 22)
Segundo o fazendeiro José Marques de Abreu,
o povo da região ficou “entre a cruz e a espada”, pois tinham medo de sofrer
represálias tanto dos soldados quanto dos guerrilheiros, mas registra que
somente o Exército cometeu violências contra pessoas de sua comunidade. José
Marques fala sobre os casos envolvendo a tortura de cidadãos do lugar.
Aconteceu com o filho de Luiz
Oliveira. O rapaz não sei porque cargas d’água, foi acusado de ser guerrilheiro
e sofreu o diabo. Foi torturado a golpes de tijolo, pisado, queimado com
cigarro, queriam a todo custo ele falasse, ele não sabia de nada. A família
dele ficou desacorçoada que acabou mudando daqui. (RABELLO, 1980, p. 22, 23).
O fazendeiro Luiz Faria da Silva, na
época morador de Dores do Rio Preto que
fica na região de divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo conta sobre a
violência praticada pelo Exército em relação à população local:
Estava na minha propriedade quando
chegou um tenentinho e foi logo dando voz de prisão: “vamos embora que dessa o
senhor não escapa”. (RABELLO, 1980, p. 22, 23).
Eles queriam saber sobre as cartas
provenientes do Rio de Janeiro que o Sr. Luiz entregava aos moradores da
cidade. Foi liberado quando mostrou o teor delas, ou seja, cartas que continham
assuntos particulares e que não possuíam nenhuma relação com a guerrilha.
Leonel
Brizola e a Guerrilha Caparaó
Segundo o texto do relatório do Exército
Brizola era
O chefe principal dos guerrilheiros
de Caparaó que se preparavam para estender suas ações até a Serra dos órgãos,
como parte de um plano para a deflagração de outros movimentos em todo o país.
Os guerrilheiros teriam recebido instruções de guerrilha de um sítio do
ex-deputado em Pando, Uruguai, e, em Cuba, num campo de treinamento próximo a
“Pinar Del Rio” (RABELLO, 1980, p. 10, 11. Apud texto relatório do Exército
publicado pelo Jornal do Brasil na edição de 13/08/1967).
O ex-governador Leonel Brizola nega ao
afirmar que apenas colaborou com a Guerrilha do Caparaó e afirma ainda que
nunca acreditou na ação da guerrilha:
Nunca acreditei na ação da guerrilha
como processo de luta possível contra o regime no Brasil, por sua
inviabilidade. (RABELLO apud BRIZOLA, 1980, p. 10, 11).
Porém afirma que a Guerrilha do Caparaó
foi planejada no exílio e tinha como objetivo a derrubada do sistema político
vigente no Brasil, assim era necessário a formação de um grupo civil-militar
visando uma insurreição militar. Ao final afirma que resolveu não defender a
guerrilha devido à sua inviabilidade, embora continuasse ajudando aqueles que
se propunham a combater o Regime Militar pela via armada.
A
reportagem utiliza os depoimentos do ex-guerrilheiro Amadeu Rocha que afirma
ser, a base de Caparaó, formada por ex-militares cassados no governo Castello
Branco (1964-1967) e políticos do Partido Comunista do Brasil também cassados e
alijados do sistema político pelo regime e que defendiam a solução armada.
Afirma Rocha:
Apesar de não ignorarmos a realidade
imposta pelo regime de 64, acreditávamos possibilidade de barrá-lo por meio de
um amplo movimento de massa. Éramos de opinião que a oportunidade mais propicia
seria a das eleições para governador dos Estados, quando poderíamos ir ao povo
diretamente e pregar o restabelecimento da democracia. (ROCHA apud RABELLO,
1980, p. 12).
Essa
parece ser uma crença dos movimentos guerrilheiros de que o povo tomaria
consciência e em sua revolta e apoiaria os insurgentes, mas o povo foi o seu
delator, ou seja, apoiou os agentes da repressão defendendo uma ordem política
oficial.
Considerações Finais
A guerrilha do Caparaó merece destaque,
pois foi a primeira guerrilha contra a Ditadura Militar organizada em 1966.
Antes do Ato Institucional n° 5 de 1968 que representou o endurecimento do
regime com suspensão de habeas corpus
e fechamento do Congresso Nacional. A Guerrilha do Caparaó nos permite concluir
que via armada fora decidida nos primeiros anos do regime militar. Estabeleceu,
sobretudo, uma continuidade aos anos posteriores, principalmente nos movimentos
armados dos anos 70.
Os guerrilheiros tinham a ilusão de que o
povo tomaria consciência de sua exploração e se insurgiria contra o governo
ditatorial. Certamente não parece descabida a hipótese de que foi a ausência de
apoio popular uma das causas da derrota precoce dos grupos guerrilheiros. No
Brasil a adesão popular aos movimentos guerrilheiros não existiu. O fato é que
os movimentos armados contra o Regime Militar e seu sacrifício revelaram toda a
brutalidade do aparato militar-policial e essa brutalidade trouxe muita
indignação, sobretudo os desaparecimentos impediram que as feridas fossem
fechadas devido a angustia das famílias que passaram suas vidas em busca de
respostas, exercendo pressão. Os torturados denunciaram seus algozes que
continuam impunes. A Comissão da Verdade, tanto a nacional quanto as estaduais
trouxeram documentos, elucidações de desaparecimentos como o do ex- deputado
Rubens Paiva e Edgard Stuart Angel, filho da ex-estilista Zuzu Angel também
vítima do Regime.
Neste momento rememorar a Guerrilha do
Caparaó não é importante somente por ser a primeira, sobretudo para que não
seja um acontecimento esquecido em tempos de Comissão da Verdade, certamente
este não é um dos capítulos mais comentados sobre a luta contra a Ditadura e
por isto mesmo merece ser mencionado.
A via institucional
A
via institucional de combate á Ditadura Civil-Militar foi predominante no
processo de abertura “lenta”, “gradual” e “segura” conduzida pelo Governo
Ernesto Geisel (1975-1979). Existe uma repulsa generalizada em relação à
atuação do MDB, considerado historicamente o partido do sim senhor. Isto é uma
meia verdade, afinal é inegável que o MDB pressionou o processo de abertura vislumbrado
por Geisel e impôs a seu projeto grandes derrotas eleitorais. Esses acontecimentos
fizeram com que Geisel impusesse ao sistema eleitoral a Lei Falcão, o que impedia
o candidato de falar. Essa lei restringia a campanha eleitoral (aos cargos na
Câmara dos Deputados e ao Senado Federal) à exibição de fotos do candidato e a
leitura de um breve texto lido por um narrador e previamente autorizado pela
censura.
Fontes:
MOREIRA, Amaranto Jorge
Rodrigues. Diário de Amaranto. In:
RABELO, Gilson. Malogra a campanha Lott.
É o começo. O Estado de S. Paulo 06/02/1980. P. 12.
REBELLO.
Gilson, A Grande Manobra e a Morte do
Guerrilheiro. In: O Estado de S. Paulo 08.02.1980,
p.12-13. Dossiê: A Guerrilha do Caparaó: uma versão mineira de Sierra Maestra.
REBELLO.
Gilson, Os personagens do movimento. In:
O Estado de S. Paulo 09.02.1980, p.10-11. Dossiê: A Guerrilha do Caparaó:
uma versão mineira de Sierra Maestra.
REBELLO.
Gilson, De volta à montanha por onde a
guerrilha passou. In: O Estado de S. Paulo 07.02.1980,
p.22-23. Dossiê: A Guerrilha do Caparaó: uma versão mineira de Sierra Maestra.
REBELLO.
Gilson, Caparaó, 13 anos depois. In:
O Estado de S. Paulo 05.02.1980, p.16-17. Dossiê: A Guerrilha do Caparaó:
uma versão mineira de Sierra Maestra.
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